A COP30, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, será realizada em 2025 em Belém do Pará, no Brasil. O evento promete ser um marco para a Amazônia e para o paÃs, reunindo lÃderes globais, cientistas, sociedade civil e jornalistas de diferentes partes do mundo.
Neste cenário, a presença de veÃculos de comunicação afrocentrados e independentes ganha importância estratégica. Eles carregam a missão de ampliar narrativas e garantir representatividade de vozes que, historicamente, foram silenciadas nos espaços midiáticos voltados a coberturas socioambientais.
Para conversar sobre desafios, representações, estratégias e caminhos sobre coberturas mais inclusivas e multiplurais em eventos e pautas ambientais deste nÃvel, a Rede JP conversou com Rose Campos, jornalista, comunicadora e editora do Ecos do Meio.
À frente do Ecos do Meio, criado para ecoar vozes locais em pautas globais, ela reflete e aponta como narrativas acessÃveis e plurais podem conectar realidades periféricas e tradicionais ao debate ambiental internacional.
Sub-representação estrutural
Para Rose, a ausência de profissionais negros e indÃgenas na cobertura ambiental reflete desigualdades históricas no campo da comunicação que, em sua opinião, são as questões primárias do desafio a uma cobertura ampla de narrativas e veÃculos. “Como jornalista negra, sinto profundamente a ausência e a grave sub-representação dos profissionais negros e indÃgenas nos espaços em que deveriam ser autoridades legÃtimas. No campo da comunicação ambiental, somos frequentemente subjugados e até desprezados.â€
Os números ajudam a dimensionar esse abismo: segundo o IBGE, 56,1% da população brasileira se autodeclara negra, mas apenas 20,1% dos jornalistas empregados em grandes veÃculos pertencem a esse grupo. Quando se trata da cobertura ambiental, a proporção é ainda menor.
Para a jornalista, essa invisibilidade compromete a diversidade de narrativas e a isonomia de coberturas tão importantes, como a do COP 30, citado como exemplo. “Essa invisibilidade restringe a diversidade das narrativas ambientais, que precisam urgentemente incorporar as vozes e as práticas das populações negras e indÃgenas. Reconhecer essa importância é fundamental para que a comunicação seja mais plural, justa e alinhada à luta por justiça ambiental e social e também enriquecedora aos veÃculos, aos que trabalham nestas pautas.â€

A busca pelo financiamento e a luta contra o racismo ambiental em infraestrutura
Além da exclusão simbólica, ao refletir sobre os veÃculos independentes racializados, Rose lembrou outras dificuldades práticas. A principal delas, segundo a jornalista, a escassez de financiamento e infraestrutura, compromete os vieses das matérias e editorias, que embora até busquem retratar pautas e eventos, o fazem sem a liberdade devida — por entraves de patrocÃnio e até polÃticos.
“Os veÃculos independentes e racializados enfrentam diversos obstáculos importantes na sustentabilidade ambiental e essas coberturas. Isso no Brasil quanto no mundo. Um dos maiores desafios é a falta de recursos financeiros e estrutura adequada, o que limita o alcance e a profundidade da cobertura. Além disso, esses veÃculos frequentemente lidam com barreiras polÃticas e institucionais, pois as pautas que abordam justamente a justiça ambiental e social são pouco valorizadas nos grandes veÃculos tradicionais, pelo lado financeiro, riscos de boicote em patrocÃnios, etc.â€
Rose chama atenção em seguida para o fenômeno do racismo ambiental, que marginaliza comunidades negras, indÃgenas e periféricas tanto nos processos decisórios quanto nas narrativas midiáticas. Segundo relatório do Instituto Pólis (2022), 70% dos lixões e áreas de descarte de resÃduos no Brasil estão em regiões habitadas majoritariamente por população negra ou pobre — dado que raramente ganha espaço na mÃdia corporativa.
Em Belém, por exemplo, onde o evento será sediado, 75% das pessoas que moram em áreas de risco de menor preservação ambiental são negras.
“Muitas vezes, os impactos ambientais negativos recaem de maneira desproporcional sobre essas populações, que são invisibilizadas nas narrativas midiáticas convencionais. É por isso que veÃculos independentes racializados são essenciais: eles resgatam essas vozes e dão visibilidade a injustiças que a mÃdia tradicional prefere ignorar empiricamente, da equipe à redação final.â€, completa.

Como captar recursos e construir referenciais
A limitação de recursos é reforçada por Rose como um entrave para reportagens mais aprofundadas e para a sustentabilidade dos próprios veÃculos diretamente na relocação de equipe e esforços para feitura de coberturas e outros eventos e pautas.
Rose cita não apenas coberturas, mas pesquisas fundamentais que ditam ações de intervenção a áreas ambientais degradadas ou em risco de degradação, o que a COP 30 também se propõe.
“Sem recursos adequados, esses veÃculos não conseguem investir em pesquisa extensa, deslocamentos a campo, equipes especializadas e ferramentas tecnológicas necessárias para uma cobertura qualificada. Essas pesquisas e coberturas vão além do estar no evento, elas fornecem material de análise e panorama de como ocorre e está a sustentabilidade do paÃs, e viram fonte para ações futuras. Além disso, claro, a falta de financiamento compromete o planejamento a longo prazo e a experimentação de novos formatos jornalÃsticos, favorecendo a estagnação dos veiculos.â€
Estratégias locais e digitais e tendências para o futuro
Diante dos desafios, Rose defende uma comunicação que valorize a pluralidade cultural e as experiências locais. Ela cita a multiplicidade de plataformas — redes sociais, rádios comunitárias, podcasts e eventos locais — como caminho para alcançar públicos fora do eixo tradicional da mÃdia.
O “boca a bocaâ€, lembra a comunicadora, ainda é uma poderosa ferramenta de engajamento. “Acredito que esse elemento, o boca a boca, foi decisivo na minha escolha pela profissão de jornalista. Lembro-me do meu avô, um apaixonado por leitura. Sentada em seu colo, observava seus hábitos. Eu ficava ali, fingindo ler, absorvendo o gosto pelo jornalismo que me acompanha até hoje e no fim das contas o jornalismo é esse despertar.â€
Olhando para a COP30 e no futuro da comunicação sustentável antirracista, Rose acredita que o jornalismo ambiental precisa se consolidar como espaço de crÃtica, diversidade e engajamento. A jornalista enxerga um protagonismo de veÃculos afrocentrados em coberturas de conferências e outros eventos. E também dos impactos que eles trarão.
“Uma das principais tendências para o jornalismo de sustentabilidade nos próximos anos é o fortalecimento da inclusão de vozes diversas nas narrativas ambientais. Profissionais negros, indÃgenas e populações marginalizadas devem assumir protagonismo, trazendo perspectivas que ampliem a compreensão dos impactos socioambientais de forma mais justa e plural.â€
Ela acredita que a cobertura vá além de dados técnicos e inclua as desigualdades estruturais que agravam a crise climática.
“Haverá ampliação da cobertura crÃtica, que vai além da mera informação sobre fenômenos ambientais para abordar desigualdades, racismo ambiental e injustiças sociais relacionadas à s mudanças climáticas. Essa abordagem mais engajada e interseccional desafia narrativas tradicionais e propõe debates democráticos e inclusivos.â€. “Essa interseccionalidade é e felizmente será a raiz do jornalismo ambiental mundial.â€, finaliza.