A Amazônia nunca esteve tão em evidência no debate público como hoje. Foco primordial dos debates da vindoura COP30 ou pelas intensas ações de organização internal sobre sua preservação e função ambiental para o Brasil e o mundo, a região é fruto, além de suas belezas naturais, biodiversidade aflorada e atividade socioeconômica notória, de vozes locais na comunicação e jornalismo.
A ampliação destas vozes é tão necessária quanto suas próprias existências. Por isso, iniciativas comprometidas com a ampliação das vozes locais se tornam essenciais. E foi justamente por isso que o jornalista paraense Daniel Nardin criou o Amazônia Vox, plataforma que reúne um banco de fontes e de profissionais do Norte voltado a jornalistas e veículos do Brasil e do mundo.
Ativa desde 2023, em pouco mais de um ano, a plataforma já conta com mais de 1.100 fontes e mais de 700 profissionais freelancers cadastrados nos nove estados amazônicos. Pessoas da comunicação, da ciência, das culturas locais e das comunidades tradicionais estão agora mais próximas de jornalistas e especialistas que, até então, recorriam ao clássico “alguém conhece alguém?” para encontrar porta-vozes na região. Para falar do Amazônia Vox, seus dois anos de atividade e legados sobre a comunicação local, a Rede JP fez uma entrevista com Nardin, que reflete sobre as dificuldades e glórias do projeto.
A criação de uma voz dissonante
Ao responder sobre a criação da plataforma, Nardin justamente revela o desejo de dar um basta no “boca a boca”, a informalidade impressa no que já era formal e existia: profissionais qualificados na área. “Criamos o banco porque era sempre o mesmo cenário: jornalista procurando fonte e caindo no famoso ‘alguém conhece alguém?. Agora temos uma ferramenta que facilita e valoriza quem é da região. E mais: não só pra falar sobre a Amazônia, mas a partir dela.”
Daniel destaca que a Amazônia Vox é um fruto direto da sua trajetória profissional. O jornalista e administrador da plataforma percebia um problema recorrente: a dificuldade de conexão entre jornalistas interessados na Amazônia e o conhecimento produzido por quem está no território. Essa lacuna, segundo ele, acabava reproduzindo, mesmo involuntariamente, um certo colonialismo no jornalismo, no qual se noticiam temas amazônicos sem, necessariamente, escutar as vozes locais e inspirou a criação do banco de dados.
A ideia do banco de profissionais, porém, não veio apenas da construção de redes locais e amplificação nacional, e surgiu também como ferramenta contra a desinformação. “Já vínhamos experimentando isso no YouTube com o Jogo Limpo 2.0 [iniciativa voltada a criação de ferramentas para checagem de notícias junto a moradores locais], onde percebemos que ter um banco de fontes era uma forma de garantir informação de qualidade e de quem vive a realidade local, nortista e da Amazônia”, lembra.

Como funciona o banco?
O cadastro do Amazônia Vox é voluntário e colaborativo. Profissionais interessados preenchem um formulário e, na avaliação, o único critério é que as pessoas estejam no território amazônico — ou que, se estiverem fora, sejam de fato amazônidas. Para Nardin, é primordial na construção de bancos de dados profissionais locais ou racializados, a conexão imediata e empírica dos cadastrados com a realidade.
“Fizemos questão de só termos perfis da região, obviamente. Não aprovamos perfis baseados em outros territórios que eventualmente venham à região apenas para reportagens. A ideia é valorizar quem está no território. A diversidade é garantida em também parceria, claro, com universidades e coletivos, como o Abaré Associação de Jornalistas Indígenas), para que divulguem a plataforma entre eles, e hoje já temos fotógrafos e jornalistas indígenas cadastrados, que fizeram algo que eu queria desde sempre, tornar a ferramenta algo de comunicação local geral.“
Nardin complementa a importância da plataforma favorecer o acesso a mulheres, profissionais negros e outras identidades dentro da esfera local. Uma das próximas etapas é o lançamento de filtros de busca por gênero e raça para facilitar a contratação focada em recortes específicos.

Desafios e colaborações
A Amazônia Vox atua em três frentes: Banco de Fontes, Banco de Freelancers e produção de conteúdo própria. Além de mapear profissionais, a plataforma incentiva a proposição de pautas e já colocou projetos de pé com veículos como Carta Amazônia, Sumaúma e InfoAmazonia.
Mais de 100 profissionais dos nove estados já foram acionados em um ano, em reportagens colaborativas que reforçam o protagonismo local. Um exemplo recente foi a pauta realizada no Mato Grosso com apoio de um fotógrafo de Cuiabá; outro é a série Lições da Amazônia, feita com especialistas de diferentes estados. “A gente incentiva e gosta muito de receber propostas de reportagens de todos os lados. O que nos importa é colaborar. Estamos trabalhado bastante na lógica de projetos colaborativos, inclusive com veículos da região, o que só nos engrandeceu.“

Ainda assim, Nardin revela as dificuldades. Ao contrário do que geralmente se tem em mente, engana-se que localmente o acesso a internet seja a maior delas. “Nas capitais a estrutura é muito boa, e mesmo em áreas remotas há formas de acesso. O maior desafio hoje é dar a visibilidade a quem já está produzindo conhecimento aqui mesmo. De verdade. Há uma invisibilidade tão intrínseca que muitos nem sabem da existência desses profissionais”, destaca o profissional.
Ele complementa:
“O nosso outro principal desafio é aproximar as pessoas: saber quem é e onde está o profissional. Muitas vezes o problema não é a ausência de profissionais, mas a falta de visibilidade. A importância da plataforma é justamente facilitar o encontro e a valorização dessas vozes — que muitas vezes não são conhecidas mesmo por quem está dentro da própria região.“
Legados e conquistas
A aproximação deu e dá certo. Não à toa, jornalistas e organizações de outras regiões têm recebido muito bem a iniciativa. “Existe um interesse genuíno, cada vez maior, por abrir espaço para vozes locais”, Nardin desabafa.
O anúncio de Belém como sede da COP30 ajuda a reforçar esse movimento e evidencia o desafio de transformar visibilidade em protagonismo. “O que vai fazer a diferença é manter esse interesse e ampliar o uso da plataforma, por quem é da região e por quem está fora. Claro, há risco de ‘marketing da floresta’, mas também há oportunidade de transformar isso em algo concreto, o que já estamos construindo.”

“Estimular os veículos de fora a usarem e darem feedback e incentivar a comunicação local é justamente isso. Daí a importância de pbancos de fontes com esse mesmo olhar, ou com olhar da comunicação racializada, como na Rede JP de construir espaços e inspirar mudanças”. De fato, mudanças estão sendo construídas não só pelo Amazônia Vox, como instituições do porte da Cajueira, de banco de fontes nordestinas; e como o próprio ComuniHub, que será relançado pela Rede JP em breve, voltado a profissionais negros jornalistas.
Segundo levantamento da Repórter Brasil e do Observatório da Imprensa, apenas 2,6% das reportagens produzidas por grandes veículos nacionais entre 2018 e 2022 tiveram profissionais da Amazônia como autores ou coautores. O dado reforça o quanto iniciativas como tais bancos e iniciativas são fundamentais não só para ampliar o acesso à conexão profissional, mas à informação plena e verdadeiramente diversificada.