Artigo escrito pelo Prof. Dr. Odair Marques da Silva
Em laboratórios, conferências internacionais e artigos cientÃficos, um consenso emerge: a crise climática não é mais a ameaça distante, mas a realidade que atinge de forma desigual as cidades, tanto aos condomÃnios e núcleos empresariais, quanto à s comunidades periféricas. Entre os muitos temores que devem ocupar nossas mentes, cinco preocupações se destacam, cada uma delas gera prognósticos sombrios de um futuro que ainda pode ser reescrito — se agirmos a tempo, com justiça climática e equidade.
A primeira grande inquietação é a aceleração do colapso de ecossistemas vitais, que afeta diretamente populações tradicionais e indÃgenas, muitas delas negras e empobrecidas, que dependem desses biomas para sobreviver. Florestas tropicais, como a Amazônia, lar de grandes cidades, comunidades quilombolas e povos originários, estão perdendo sua capacidade de sequestrar carbono devido ao desmatamento e à s secas prolongadas, agravadas por polÃticas de expansão agropecuária que ignoram direitos constitucionais e territoriais indÃgenas. Corais, essenciais para a vida marinha e para pescadores artesanais em regiões costeiras do Sul Global, morrem em águas acidificadas e superaquecidas, enquanto grandes corporações seguem poluindo sem reparação.
Outro temor crescente são os eventos climáticos extremos, que escancaram as desigualdades estruturais: enquanto os mais ricos constroem muros contra enchentes, comunidades e bairros periféricos são os primeiros a sofrer com deslizamentos e alagamentos. Os modelos climáticos indicam que, sem adaptação rápida e polÃticas de reparação histórica, os desastres continuarão a castigar justamente quem menos contribuiu para a crise climática, aprofundando injustiças seculares.
O aumento imprevisÃvel do nÃvel do mar também figura entre as principais preocupações, especialmente para pequenos paÃses insulares e áreas litorâneas. O derretimento acelerado das calotas polares, causado por emissões de nações industrializadas, ameaça apagar do mapa culturas inteiras, como no caso do Haiti e de ilhas do PacÃfico, onde a migração climática já é realidade e reflexo do racismo ambiental que invisibiliza essas populações.
Além disso, a segurança alimentar global está sob ameaça, com impactos desproporcionais sobre os povos em situação de fragilidade social. Secas prolongadas no Sahel, enchentes em Bangladesh e a desertificação no Nordeste brasileiro são agravadas por sistemas que privilegiam monoculturas para exportação em detrimento da soberania alimentar local.
Por fim, a maior preocupação está na chegada aos chamados pontos de não retorno, que podem tornar irreversÃveis não apenas danos ecológicos, mas também injustiças sociais. O degelo das camadas polares, por exemplo, liberará gases que ampliarão o caos climático. Esses cenários mostram que a crise climática é também sintoma da crise em nosso modelo de sociedade. Apesar do tom sombrio, os cientistas e movimentos por justiça ambiental insistem: ainda há tempo para mudar. Reduzir emissões é urgente, mas não basta — é preciso combater o racismo ambiental, garantir reparações históricas e incluir vozes marginalizadas nas decisões globais. Cada grau de aquecimento evitado se projeta sobre a qualidade de nossas vidas. A pergunta que fica é: a humanidade ouvirá essas vozes, ou continuará a ignorar os sinais da natureza?
Bio Dr.Odair Marques

Dr. Odair Marques da Silva é autor e especialista sobre racismo ambiental e mudanças climáticas. Fundador da Editora Eiros, também atua como Diretor de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Zumbi dos Palmares.
Odair é doutor em Ciências da Cultura pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Portugal. Possui pós-graduação em Análise de Sistemas pela PUCCAMP e mestrado em Gestão da Qualidade pela FEM/UNICAMP. Sua atuação acadêmica inclui temas como educação, novas tecnologias, afroempreendedorismo e produção cultural. Como escritor, é autor de obras como “Atlas Geocultural da Ãfrica” e “Ãfrica: um passeio pelo antigo continente”, este último voltado para o público infantil.