O Brasil relembrou neste último 13 de maio os 137 anos da assinatura da Lei Áurea, não como uma data de celebração, mas como um marco das lutas ainda não resolvidas que o povo negro enfrenta na sociedade. A abolição formal da escravidão não significou o fim da marginalização e da exclusão da população negra, mas sim o início de um novo ciclo de resistência.
A invisibilidade e a negação de direitos continuam sendo pontos centrais que impulsionam o ativismo antirracista, que busca justiça histórica e reparação efetiva. A data se torna, mais do que nunca, um convite à reflexão sobre o racismo sistêmico, os retrocessos recentes e os desafios que persistem desde 1888.
Pautando essa agenda, três intelectuais de gerações diferentes se uniram para refletir sobre os avanços e ameaças enfrentados no cenário atual. O professor doutor em administração Hélio Santos, pioneiro na discussão do impacto social no pós-Abolição; a pesquisadora e doutora Carla Akotirene, referência em interseccionalidade e direitos humanos; e a consultora de gênero e raça Tainara Ferreira, pós-graduanda em Teologia e Cosmologia Africana, alertam para o risco de desarticulação das conquistas históricas do movimento negro e legados da luta antirracista.
A questão do pardo na luta
Uma das discussões mais recentes e polêmicas é a tentativa de separação entre pretos e pardos dentro da comunidade negra. Para os três pensadores, trata-se de um erro histórico grave que compromete os avanços conquistados desde o fim da escravidão.
“Desde o primeiro Censo, em 1872, eles aparecem juntos, ou seja, 16 anos antes da Abolição. A mistura é nossa base, fruto do estupro que ocorreu com nossas mulheres pretas escravizadas e indígenas por séculos. Quem quer tirar isso são os jovens, desinformados por essas novas ondas, e isso me deixa muito bravo. Isso é desconhecer a nossa própria história”, exclamou Hélio.
Seguindo a mesma linha, Akotirene relembra que este plano de dissociação prejudicará fortemente ambos, já que os avanços alcançados até aqui abarcam negros (grupo que une pretos e pardos no país).
“Ao longo das últimas décadas, construímos políticas públicas de igualdade racial, contemplando-se os dois, de maioria negra/indígena. O que vemos é um projeto de apagamento, não há outro nome a dar para isso, pois aqueles que antes tentaram desestimular nossa luta agora conseguem sob outra forma, a de divisão”, enfatiza ela.
Por fim, Tainara alertou sobre movimentos nas redes sociais que estimulam o ódio, onde de um lado é visto pautas ditas ‘mestiças’ que repudiam e esnobam do movimento negro, e por outro, manifestações que apoiam essa divisão, alegando que pardos nunca fizeram parte desta luta, o que é um completo retrocesso.
“Nessa data simbólica e não comemorativa é importante lembrar, mais do que nunca, que a justiça social e racial vem através do combate unificado. Pretos e pardos sempre estiveram do mesmo lado e ver esse racha me entristece muito. É preciso mais letramento, mais consciência e conhecimento de causa, porque há muitos oportunistas que agora pregam que somos rivais. É isso que os causadores de nossas dores sempre quiseram e, infelizmente, estão conseguindo”, lamentou a consultora.
Dados que reforçam a importância da luta e o que isso nos diz
Apesar de representarem a maioria da população, pretos e pardos continuam enfrentando desigualdades significativas. Dados de 2023 mostram que trabalhadores negros recebem, em média, 69,9% do rendimento dos brancos. Mesmo entre aqueles com ensino superior completo, a diferença salarial persiste: brancos ganham 43,2% a mais por hora trabalhada.
Os 137 anos da Abolição da Escravatura no Brasil não representam apenas uma data histórica, mas um lembrete contínuo das lutas não resolvidas enfrentadas pela população negra.
A tentativa de divisão entre pretos e pardos ameaça desarticular conquistas históricas e reforça a necessidade de união na luta contra o racismo sistêmico. Dados recentes evidenciam que, apesar de avanços demográficos, as desigualdades persistem, tornando essencial a continuidade e fortalecimento das políticas públicas de igualdade racial. Tudo para tornarmos essa luta cada dia que passa mais forte e viva.