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Amazônia em pauta: a importância dos Repórteres da Floresta para a política de preservação ambiental e de registro da região Amazônica

Por: Kelvyn Araújo

Recentemente, no último dia 5 de setembro, foi comemorada uma efeméride importante – ou que ao menos deveria ser: o dia da Amazônia. A data, oficializada em 2007, visa além de uma motivação histórica (que coincide com a data de criação da província do Amazonas, em 1850, por D. Pedro II), um símbolo para celebração e conscientização da própria Amazônia e de políticas de incentivo à sua preservação. Usando como gancho esta data recente de extrema importância, é necessário darmos luz e protagonismo a políticas ambientais da região, além de atividades lá feitas – dentro e fora do ativismo ambiental – que pouco ou nunca são devidamente retratadas no jornalismo tradicional.

Nesta lacuna, apresenta-se a importância do jornalismo comunitário. Não apenas para a implementação de maiores registros jornalísticos a respeito da região e de seu povo, mas sim de uma adoção interna do mesmo, para que a própria população tenha iniciativa e produza conteúdo sobre seu próprio dia a dia. Várias organizações (de médio à grande porte) não governamentais já implementam estas atividades, mas sem dúvida um grande destaque no meio delas é o projeto Repórteres da Floresta, que opera através da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) – ONG referência em políticas de preservação na Amazônia e de incentivo à registros e criação de atividades comunitárias por lá.

Foto: Júlia Freitas – FAS

Criado em 2014, o Repórteres da Floresta – projeto parte da FAS – visa justamente a implementação de conteúdo jornalístico por parte de moradores da região. Sua finalidade é dar voz à realidade periférica e ribeirinha na Amazônia, que em boa parte das vezes não é coberta a fundo pela mídia tradicional. Com os anos, a iniciativa ganhou um caráter mais organizacional, administrando oficinas de vídeo e comunicação, para que os moradores gradativamente se aprimorem na comunicação social / jornalismo para além de um meio de retratar onde vivem, mas como preparação profissional. 

 

Para falar um pouco desta história e da FAS entrevistamos Fabiana Cunha, gerente do Programa de Educação para a Sustentabilidade da Fundação e coordenadora do projeto que no próximo ano completa 10 anos de realização. Sobre a trajetória do Repórteres, Cunha relata alguns desafios passados, em especial em seus primeiros anos de atividade. Entre os principais percalços estão desde  dificuldades na divulgação das matérias e reportagens devido à baixa qualidade de internet nas regiões, até a pouca intimidade dos moradores colaboradores com o processo mais tradicional jornalístico. Este último fator, inclusive, foi citado por Fabiana como ímpeto e incentivo maior para a realização de oficinas com os  moradores da região.

Logo no início do projeto, o maior desafio foi identificar as formas de divulgar as produções dos Repórteres da Floresta, principalmente, por conta da dificuldade de uma boa conectividade, e isso ao mesmo tempo que foi um desafio também foi importante para que eles tivessem experiências bem diversas, como, por exemplo, elaborar aos poucos um jornal escrito, que foi distribuído nas escolas e comunidade. Levar as oficinas de formação, facilitar o contato com várias formas de comunicação, de contar suas próprias histórias e tornar isso possível em comunidades ribeirinhas foi bem desafiador.”

Foto: Júlia Freitas – FAS

 

Apesar do começo ter tido  dificuldades, logo com a difusão e o maior conhecimento das pessoas e outras entidades sobre o projeto, o problema da conectividade foi aprimorado, e consequentemente permitiu ainda mais a participação de outras pessoas – jovens em específico – no Repórteres da Floresta.

 

 

 

Com o passar do tempo, o maior acesso à conectividade nas áreas de nossa atuação possibilitou ampliar as possibilidades de divulgação, principalmente pelas redes sociais. De tudo isso uma importante contribuição é o desenvolvimento desses jovens ribeirinhos que, de forma criativa e inovadora, contam suas histórias, entendendo o potencial da comunicação no cotidiano deles.”, destaca Fabiana.

Atualmente, o Repórteres da Floresta possui um processo de captação e capacitação de moradores bastante definido. Dentro da iniciativa da FAS, o projeto reúne oficinas de educomunicação – forma de ensino de adoção de técnicas utilizadas pelos meios de comunicação em mídias tradicionais (Rádio, TV, internet) dentro de organizações-não-tradicionais. “Os jovens que moram nas comunidades passam por oficinas de educomunicação. As mais procuradas pelos jovens são as de fotografia e vídeo. Temos também de rádio e comunicação escrita. Para cada oficina, os participantes têm a parte teórica e prática. Nesse momento que muitos identificam os que têm maior afinidade para elaborar o texto das reportagens, os que têm maior desenvoltura para apresentar, os que filmam / editam o material. Tem ainda aqueles que fazem todo o registro fotográfico.”, complementa Fabiana.

Em outro momento da entrevista, a coordenadora analisa de forma bem mais generalista o legado do Repórteres da Floresta. Ao responder a pergunta que fizemos sobre qual ou quais impactos ela avalia que mais foram importantes para a construção deste legado, a coordenadora logo relata como o interesse de jovens foi algo crucial para a permanência, e o subsequente sucesso do projeto.

“O projeto teve impactos muito importantes: um deles foi contribuir para ampliar o interesse dos jovens sobre suas realidades e não apenas falar, mas também mostrar isso através de um vídeo, de uma foto, de um jornal. A partir daí, foi possível observar jovens mais engajados nas questões ambientais e da juventude, trazendo a perspectiva dos jovens que moram em comunidades ribeirinhas mais distantes dos grandes centros de informação. Exemplo disso é que atualmente temos duas jovens que se destacam nas redes sociais e são ativistas. Uma delas é a Tainara Cruz, que mora na comunidade indígena Três Unidos (https://youtu.be/pUOiqNnB488?si=XcaUiml77E4Arwd9) e a Odenilze Ramos, que também é ativista ambiental (https://youtu.be/02PnkqrqNtM?si=BpSwMQIgNTadD2yk).

Odenilze Ramos, em entrevista à Edilene Mafra.com.br (ano desconhecido), relatou a importância do Repórteres da Floresta para a sua trajetória profissional. Por lá, ela revelou inclusive a abertura internacional que seu trabalho iniciado no projeto proporcionou. Parte da entrevista pode ser vista por este link (https://edilenemafra.com/literatura/projeto-reporteres-da-floresta-lanca-primeiro-guia-para-educomunicadores/). 

Além do legado, Fabiana também destacou momentos importantes das produções feitas nestes quase 10 anos de Repórteres da Floresta, alguns dos trabalhos  mais  marcantes apontados por ela foram um talk show, feito no começo do projeto, e uma matéria publicada na segunda edição do periódico impresso da iniciativa sobre o Povo Kambeba, grupo indígena que habita a região. Sobre os bastidores destas matérias, ela aproveitou e revelou algumas curiosidades.

“[O talk show] foi uma das primeiras produções logo no início do projeto, e envolveu muito os jovens e moradores. A gravação foi um acontecimento para eles. Teve muita emoção. Outro exemplo foi a reportagem da segunda edição do jornal escrito dos Repórteres da Floresta, intitulada “Povo Kambeba mantém viva suas tradições”, que trouxe uma valorização da cultura, que é muito especial para os repórteres e para as comunidades. Foi uma reportagem muito intensa pois mexeu com algo direto da vivência de alguns repórteres. Esses momentos foram especiais.

Com esta participação grande dos jovens no projeto, Fabiana enxerga justamente que este é o futuro do Repórteres da Floresta. Ela ressalta que a importância do aprimoramento na captação e feitura das matérias, mais do que quem pode fazê-la, é o que torna e tornará a iniciativa mais aprimorada. Isso foge inclusive do pensamento comum que muitos têm do Repórteres da Floresta, que acusam ou têm a visão de que o projeto é muito mais documental que necessariamente jornalístico. “Hoje, com a rapidez da informação e o potencial das redes sociais, o grande desafio e legado para nosso futuro é preparar os jovens repórteres para essa dinâmica, considerando também os cuidados para uma internet segura, pois são jovens que produzem conteúdo para o mundo e que tem acesso a diversas informações. Além disso, é importante também capacitá-los para melhor uso de equipamentos que facilitem o processo de criação e edição de reportagens, feitura delas, etc. O ideal é dar a eles maior conhecimento e todas as técnicas e ferramentas jornalísticas na tecnologia para facilitar o processo de criação e produção e também melhorar isso ainda mais.”

 

O Repórteres da Floresta e a Fundação Amazônia Sustentável 

Para além do Repórteres da Floresta, a Fundação Amazônia Sustentável reúne outros projetos de prestação de serviços para a população da região e para o ativismo ambiental. Tanto para o projeto dos Repórteres, quanto para outros, o intuito da FAS é chamado de “circular”, onde cada uma das superintendências (com seus programas inseridos), colaboram unificadamente para a comunidade e para o ativismo ambiental para com a região florestal e da população ribeirinha. Em breve entrevista com Valcleia Solidade, Superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação, foram relatados os impactos da FAS nas políticas de incentivo ao jornalismo comunitário – retratando a realidade de uma área social e geográfica negligenciada pela grande mídia.

Por meio desta voz que demos, com os anos do projeto já em curso [o Repórteres da Floresta se iniciou com a Fundação já em atividade, desde 2007] os impactos ambientais mudaram positivamente. Conseguimos reduzir em 43% o desmatamento em 16 territórios. Esse é um impacto voltado para a questão ambiental. No aspecto social conseguimos implementar projetos e ações voltadas, por exemplo, como o Água Segura. Nisso, ajudamos a ter reduzido índice de diarreia e de doenças que chegam às famílias. Uma melhora no saneamento foi uma conquista direta dessas ações de comunicação dando luz aos problemas da população ribeirinha. Conseguimos de uma certa forma dar melhores condições econômicas e sociais para famílias quando implementamos ações voltadas para a comunicação. Nessa área da comunicação, conseguimos por meio das matérias vermos como podemos fazer ações para estas pessoas, para além de cobrar entidades públicas, o que sempre fazemos. É o caso do Tele Saúde, entre outras ações que a gente pode elencar: atividades de educação, entretenimento, informática, música, e atividades. Nunca é só para garantir o básico, mas também outras coisas.”

Valcleia também fez uma reflexão sobre o futuro do projeto de comunicação dos Repórteres da Floresta e mais geral da FAS, ressaltando para além do caráter de retratar a realidade da população na região amazônica, o do caráter social, de garantir sempre o melhor para a região e conscientizar pessoas de outras partes do país sobre não só o que precisa ser feito, mas sobre a cultura amazônica. 

Nosso grande desafio para o futuro e legado é que as comunidades prosperem. Quando a gente tá falando de prosperidade, a gente quer, por exemplo, contribuir para que quase um milhão de pessoas na Amazônia possam ter energia nas suas casas, não só para assistir televisão ou ter lâmpada, mas para atividades voltadas para o turismo comunitário. Temos também que possibilitar o acesso à internet, conectar essas pessoas com o mundo afora, etc. Há muitas coisas. Isso é o que nos move. É crucial que as comunidades e as pessoas que vivem na região da floresta saiam do ambiente social e da discussão civil só sobre o extrativismo, e que adentrem mais e mais nestes papéis de empreendedores e negociantes de tudo aquilo que tem a disposição no território da onde eles vivem. É lógico que também nisso temos que garantir direitos básicos para quilombolas, indígenas, e que muitas vezes a ausência de políticas públicas os afetam. Precisamos fazer com que as pessoas enxerguem a Amazônia sob o aspecto mais importante dela: a sua maior riqueza. Esta riqueza são justamente as populações que nela habitam. Humanizá-los é fundamental.”

Com tempos tão voltados às principais regiões do país em coberturas, e com a necessidade maior de grandes políticas de preservação ambiental, olhar para a Amazônia, suas região e sua população é fundamental. Indo desde o ativismo dos direitos destas populações ribeirinhas, passando para denunciar arbitrariedades e falta de direitos para estas pessoas, e chegando em retratar e registrar parte da cultura e atividades destas populações longe dos grandes centros, é necessário dar luz à Amazônia e aos povos que lá vivem. Cada parte de lá é parte do Brasil, do mundo em que vivemos. Preservá-las é preservar nosso mundo, um pouco de nós mesmos.

 

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