A presença de mulheres negras na área de comunicação ainda é baixa. Desde cargos de estágios até à alta liderança, é possível, em muitas organizações, contar o número de mulheres negras e não encontrar mais que 5. Nas redações jornalísticas, infelizmente, essa realidade também se repete.
E, embora, nos últimos anos, a inclusão de mulheres negras no mercado de trabalho venha se tornando mais frequente, principalmente por meio de vagas afirmativas, esse processo ainda é lento e não acontece em todo o Brasil.
De acordo com dados da pesquisa “Jornalismo brasileiro: raça e gênero de quem escreve nos principais jornais do país (2021)”, realizada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa/Uerj), em parceria com a Rede JP, mulheres negras eram 3% no Estadão, 5% na Folha de São Paulo e 6% no O Globo. Os homens negros também representavam as mesmas porcentagens nos jornais.
Em contrapartida, as mulheres brancas eram 32% no Estadão, 32% na Folha de São Paulo e 29% no O Globo. Já os homens brancos eram: 56% no Estadão, 52% na Folha de São Paulo e 50% no O Globo. Pessoas de outras raças e orientações sexuais, por exemplo, representavam de 1% a 3%, nos veículos de comunicação. Sendo que apenas uma mulher trans foi identificada, mas na escrita de um artigo isolado.
Esses dados mostram como a diversidade, principalmente a racial e de gênero, na comunicação precisa avançar e muito. Se a presença de mulheres nas redações é baixa, no total, mulheres negras quase não existem nesses espaços. Ter uma, duas ou três, não pode ser considerado normal, porque o jornalismo tem um papel essencial na sociedade, além do seu potencial para visibilizar diferentes narrativas e representar grupos minorizados de forma não estereotipada. Para isso, é necessário que haja, de fato, diversidade de pessoas nesse espaço.
Porém, quando nos jornais ou empresas, há mais pessoas brancas, das classes A e B, por exemplo, o que vai ser pauta ou vai ser comunicado? Quais narrativas elas vão criar sobre os diferentes “Brasis”? Um exemplo relevante é o Mês da Mulher, em que muitas ações especiais focam em apresentar as mulheres como um grupo único e igual.
Será que o desemprego afeta todas as mulheres? Todas enfrentam os mesmos problemas na carreira? Todas estão chegando na liderança? Todas têm acesso à educação? Todas têm as mesmas preocupações com os filhos? Todas têm acesso à psicoterapia e à rede de apoio? Com certeza não. E colocar as mulheres em uma caixinha única é algo que invisibiliza várias realidades, dores e desigualdades. Entretanto, esse não é um problema novo e foi o fator principal de criação do Feminismo Negro, há séculos atrás.
Um dos questionamentos mais marcantes foi (e ainda é): “E eu não sou uma mulher?”, da abolicionista negra Sojourner Truth, em 1851, durante a Primeira Convenção de Direitos das Mulheres, nos Estados Unidos. Na ocasião, Truth questionava o porquê de não ter os mesmos direitos que as mulheres brancas. A pergunta ainda é atual para diversas mulheres negras pelo mundo, principalmente no Dia Internacional da Mulher. Destaco que com o surgimento do Feminismo Negro, nasce também a Interseccionalidade a fim de mostrar, primeiramente, a diferença entre ser uma mulher negra e uma mulher branca na sociedade.
Já em 1989, a feminista e jurista negra Kimberlé Crenshaw foi responsável por registrar a Interseccionalidade como uma teoria, no mundo acadêmico, na sua tese de doutorado em direito. Além de abordar a relevância de usar a Interseccionalidade para apresentar as diferenças entre pessoas de grupos minorizados, em ações e políticas de diversidade, equidade e inclusão. Outro ponto importante é que a Interseccionalidade é uma teoria criada por mulheres negras e precisa ser referenciada a elas, como diversas feministas negras vem registrando e enfatizando no decorrer dos anos.
Inclusive, ela deve ser, cada vez mais, discutida no 8 de Março e no decorrer de 2023, mas sem esquecer das mulheres negras e do seu protagonismo. De suas pautas, trajetórias, realidade e pluralidades, quase sempre apagadas em março. Afinal, mulheres negras não são iguais. Retomando o título desse artigo “Onde estão as mulheres negras na comunicação?”, conforme os dados acima, é possível perceber que ainda há uma baixa representatividade delas nas redações jornalísticas, o que também acontece nas organizações e nas agências de comunicação.
Se há imagens de mulheres negras nas ações e divulgações institucionais, é muito importante que elas não sejam apenas de bancos de imagens, mas que essas mulheres, realmente, estejam trabalhando nesses espaços em diferentes posições, principalmente em cargos de liderança, e com remunerações equivalentes a suas funções. Aproveito para compartilhar o Ted – Ideas Worth Spreading (2016), da Kimberlé Crenshaw. Nele, ela explica mais sobre o que significa a interseccionalidade: https://www.ted.com/talks/kimberle_crenshaw_the_urgency_of_intersectionality?language=pt-BR
*Sandra Roza
Coordenadora de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) e Relacionamento Institucional (RI) na Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação (Rede JP), Mestra em Comunicação (UFOP), Jornalista (UFOP) e Especializanda em Comunicação Estratégica na Sociedade 5.0.