Em uma entrevista exclusiva à Rede JP, a jornalista e economista americana Candy L. Page compartilha suas perspectivas sobre a relação histórica entre África e os Estados Unidos, e destaca a importância de fortalecer os laços entre o continente africano e o resto do mundo.
Com um mestrado em políticas públicas pela Universidade de Chicago, Page traz um olhar crítico sobre as falhas nos modelos tradicionais de ajuda externa e como iniciativas como o Programa de Ação de Crescimento e Oportunidades na África (AGOA) podem ser aprimoradas para ter um impacto mais profundo na transformação econômica e educacional da África. Ela, que recentemente escreveu um artigo acadêmico sobre o assunto, além de especialista no tema, deu enfoque a diversos prismas da relação americana-africana.
AGOA e falta de impacto real
A AGOA, criada em 2000, visa fomentar o comércio e o desenvolvimento entre os EUA e os países da África Subsariana. Embora tenha sido uma importante iniciativa comercial, Page critica o impacto limitado da AGOA, especialmente na era Trump.
Ela aponta que o programa beneficia principalmente grandes corporações americanas, mas não atende de maneira efetiva as pequenas e médias empresas, deixando de gerar as oportunidades de desenvolvimento que a África tanto precisa. “Se o AGOA fosse modernizado para financiar essas pequenas presas americanas que buscam expandir para os mercados africanos, não estaríamos apenas ‘ajudando a África’ – estaríamos criando empregos nos EUA, aumentando as exportações americanas e fortalecendo os laços econômicos no mundo inteiro”.

Investimento em educação como chave para a mudança
Page sugere que a verdadeira mudança para a África não virá de mais políticas de ajuda, mas sim de investimentos em projetos econômicos locais que possam impulsionar a prosperidade. Ela menciona sua própria iniciativa, Nuts About Education Inc. (NAE), que visa transformar a economia de países como Senegal, Gâmbia e Guiné-Bissau, incentivando a indústria local de processamento de caju.
A economista e jornalista destaca que, ao aumentar os lucros locais, o projeto gerará recursos para financiar a educação, um dos pilares para o desenvolvimento sustentável. Sobre a iniciativa, Page ressalta: “Antes de tudo, é imprescindível tornar parte do continente africano nestes países, e em outros como ele é, dono de si e sem atrelá-los a essas políticas do AGOA. SeGaBi está perdendo bilhões de receita potencial, e eu planejo mudar isso com o que estou fazendo”.

Geopolítica: O papel da África e a crescente influência da China e Rússia
A economista também reflete sobre a crescente importância estratégica da África, apontando que, enquanto os EUA a veem apenas como um continente necessitado de ajuda, China e Rússia já perceberam o potencial econômico do continente. A China, em particular, tem investido massivamente em infraestrutura africana, enquanto a Rússia tem se envolvido com regimes autoritários por meio do Grupo Wagner, militarizando a região.
Para Page, a chave para os EUA manterem influência na África seria mudar sua abordagem e redirecionar os investimentos para a educação e o desenvolvimento sustentável. “A África abriga as economias que mais crescem no mundo, os maiores mercados inexplorados e a força de trabalho mais jovem”, ressalta. “Países que têm forte industrialização vêem o quão forte é esse mercado” e já investem nele sem pensar no ‘mínimo’””.
Page menciona a Iniciativa do Cinturão e Rota da China, que já investiram mais de US$ 170 bilhões de dólares em infraestrutura africana, como uma forma de estabelecer controle econômico sobre o continente. “70% das redes 4G da África são construídas pela China”, observa, destacando a dependência crescente da África em relação ao poderio chinês e o que é oferecido. “Eles precisam disso da forma que a China também quer aquele potencial. E assim o controle ocorre.”
Ela complementa dizendo: “Enquanto a China compra a África, a Rússia a militariza. É a última chance da América de manter influência real através de um redirecionamento no investimento, através da educação. A educação não é apenas o futuro da África, é a última chance da América de manter influência real de forma efetiva na prosperidade de um continente, um povo.”
A era Trump e o aumento de desafios para a parceria EUA-África

Page critica a administração de Donald Trump, especialmente no que diz respeito às suas políticas para a África. Ela ressalta os danos que a retirada de países como a África do Sul – defendida pelo presidente – da AGOA poderia causar, alertando que isso resultaria em perdas significativas tanto para a economia americana quanto para a africana.
Ela defende uma abordagem mais inclusiva que leve em conta as necessidades e o potencial do continente africano, ao invés de reduzir o apoio a projetos estratégicos e de impacto. “Se Trump remover a África do Sul do AGOA, os resultados serão catastróficos. […] Em vez de expandir o incentivo, ele não apenas reduziu tudo como até os países tira e quer tirar. O governo sul-africano tem pressionado pela reforma agrária. Recuperadas e redistribuídas dos brancos para os sul-africanos negros, que eram adquiridas dos tempos do Apartheid. Ele chamou as políticas de reforma agrária da África do Sul de ‘desastre ao agronegócio branco.’”
Um futuro de colaboração verdadeira entre EUA e África
Ao final, Page compartilha sua visão de longo prazo: um futuro em que universidades e instituições de ensino de ambos os continentes colaborem em pesquisas agrícolas, científicas e tecnológicas. Ela acredita que a África, com sua população jovem e mercados em expansão, será fundamental para a inovação global, e a parceria com os EUA pode ser a chave para alcançar esse futuro promissor. Em suas palavras, “não é sobre comércio, é sobre construir uma parceria e um legado que dure por gerações.”
Page reforça seu compromisso em promover uma relação mais profunda e duradoura entre os EUA e a África, focada na educação, na colaboração e no empoderamento econômico. “A África pode e quer fazer mais, e eu estarei aqui para garantir que essa transformação aconteça.”, finaliza.