A participação das mulheres na comunicação brasileira tem crescido de forma significativa ao longo dos últimos anos, mas os desafios para garantir a equidade de gênero nesse setor ainda são muitos. Elas representam mais da metade dos jornalistas no Brasil, com 62% do total de profissionais na área, conforme dados do Global Media Monitoring Project (GMMP), em levantamento atualizado em 2023.
No entanto, essa presença expressiva não se reflete em posições de liderança, onde a desigualdade de gênero ainda é alarmante. Apenas 27% ocupam cargos de chefia, como editoras e diretoras, e a disparidade salarial, que chega a 18% a menos do que os homens, demonstra a resistência das estruturas organizacionais em garantir igualdade no campo profissional. A Rede Jornalistas Pretos analisou todo o cenário e trouxe dados importantes para pensar o assunto neste Mês Internacional da Mulher.
Um dos artigos mais profundos sobre o tema foi “Mulheres no Jornalismo Brasileiro”, que explorou as experiências e percepções das mulheres jornalistas no Brasil ao longo da última década. Ele revelou dados inquietantes sobre discriminação de gênero e desafios sofridos. A pesquisa, conduzida com 477 jornalistas de 271 veículos de comunicação do Brasil, mostrou que 86,4% das mulheres já haviam enfrentado algum tipo de discriminação no ambiente profissional, seja por tarefas desiguais ou por limitações nas oportunidades de promoção. A maior parte dessa discriminação foi psicológica, com 83,6% das participantes relatando humilhações e intimidações por parte de superiores ou colegas.

Gráfico demonstrativo de dado mostrado a seguir no texto onde 73% das jornalistas já escutaram comentários jocosos e piadas sexuais no ambiente de trabalho, prática das mais recorrentes.
Além disso, o assédio sexual se apresentou como uma realidade recorrente. 70,4% das mulheres jornalistas relataram já terem sido alvo de cantadas desconfortáveis, e 10,7% foram abordadas com propostas diretas de favores sexuais. 73% delas também ouviram piadas de cunho explícito sobre si ou outras mulheres, em boa parte feita por superiores. Infelizmente, a falta de canais de denúncia eficientes agrava ainda mais essa situação, com 46% das jornalistas informando que suas empresas não oferecem qualquer meio seguro para reportar abusos, o que desencoraja denúncias, das quais apenas 15,1% das profissionais haviam formalizado. Delas, somente 4% resultaram em penalidades.
A falta de políticas de apoio adequadas também é um reflexo do descompasso entre a presença das mulheres – sobretudo as negras – no setor e o reconhecimento de suas necessidades. Embora benefícios como licença maternidade estendida e auxílio-creche sejam mais comuns, políticas de conscientização sobre assédio e promoção de igualdade de gênero ainda são incipientes nas redações brasileiras e organizações jornalísticas.
De acordo com levantamento do Perfil Racial da Imprensa Brasileira, conduzido pelo Jornalistas & Cia com parceria da Rede JP, o machismo e o racismo, quando combinados, afetam a vida profissional de 85% das jornalistas negras. Dentre elas, 52,3% ainda enfrentam descrença em projetos e matérias e 20,5% sofreram assédio sexual, enquanto 15,9% denunciaram discriminação e enfrentam disparidades salariais e obstáculos no avanço de suas carreiras.
Avanços e oportunidades

Foto de reunião recente feita pelo Governo Federal – surgida após iniciativa da Articulação Pela Mídia Negra em parceria – com comunicadoras e jornalistas, além de ativistas, nas quais foram discutidas oportunidades na área.Crédito: Ricardo Struckert.
Ainda assim, é possível identificar avanços significativos, principalmente nas novas formas de mídia, como o jornalismo digital. Neste campo, 55% das mulheres jornalistas afirmam se sentir mais seguras e com maior liberdade para desenvolver seu trabalho com a modernização. A digitalização e a adoção multimídia trouxe um espaço de maior independência, onde elas podem atuar de maneira mais autônoma, diversa e com maior visibilidade. Esse contexto tem permitido uma participação mais efetiva e diversificada nas plataformas de notícias digitais e independentes, abrindo oportunidades para as que buscam liberdade editorial e profissional.
Apesar disso, o esforço coletivo para programas de liderança é essencial. O The Global Media Monitoring Project (GMMP) — maior estudo internacional sobre a representação de gênero na mídia e que analisa a presença, visibilidade e representação de mulheres e homens na mídia e tendências, incluindo jornais, rádio, televisão, internet e mídias sociais — em seu levantamento mais recente revela que 58% das mulheres que receberam treinamentos de liderança se sentiram mais confiantes e capacitadas para ocupar cargos de decisão. Nesse sentido, 33% das organizações jornalísticas no Brasil já estão implementando políticas de diversidade de gênero. Dentro delas, dos 33%, 28% lidam diretamente com o impulsionamento da presença negra nas instituições entre o gênero feminino.
A jornalista Nayara Fernandes, atuante em diversos portais de comunicação como G1, do Grupo Globo, e analista sobre o tema reflete que não se vale apenas fornecer espaço às profissionais negras na comunicação e dentro das empresas, mas a possibilidade de condições de trabalho e promoção tanto por parte dos empregadores quanto das próprias contratadas. “Essas políticas obviamente abriram maior espaço para a presença de mulheres negras na comunicação, mas a diversidade de impasses que barram nossa ascensão . vivências se, ao passarmos pela entrada, insistirmos em reproduzir as mesmas lógicas corporativas que tanto privilegiam brancos”, complementa.
Perspectivas e percepções: a gana de mudar a realidade

Foto (esquerda-direita) de Nayara, Naomi Nikolau e Eliane Almeida, três gerações de profissionais e atuantes no ramo da comunicação.
A realidade das mulheres jornalistas no Brasil, como em diversas outras partes do mundo, é marcada por um cenário paradoxal. Enquanto elas representam uma parte significativa da força de trabalho no setor, ainda enfrentam dificuldades consideráveis para chegar a posições de liderança. Porém, a crescente presença feminina em plataformas digitais e o aumento das políticas de diversidade nas organizações representam uma oportunidade atual para reverter esse quadro.
Ainda assim, outras comunicadoras nos mais diversos estágios da carreira se mantém confiantes e orgulhosos de um futuro mais inclusivo. É o caso de Naomi Nicolau, graduada em letras e atualmente estudante de jornalismo. “Ainda há muita dificuldade de mulheres pretas conseguirem um espaço na comunicação. Eu vejo um futuro mais inclusivo, no entanto. Penso muito sobre quem são esses corpos que segurarão essa bandeira.”, desabafa a graduanda.
A professora de comunicação e jornalismo e doutora em Processos Comunicacionais Eliane Almeida se diz contente com a crescente vontade e presença feminina na comunicação, ressaltando o protagonismo dela em mídias independentes. “A cara das redações começa a mudar. Mas a passos muito lentos. Como professora fico feliz a cada vez q vejo olhos brilhantes em rostos negros me olhando com olhar de esperança. Fato é que com a negação ao acesso às grandes mídias, a criatividade tem sido a saída para a criação de espaços de mídia onde essas mulheres negras podem atuar. É na negativa da grande mídia que nascem as grandes reações e, enquanto são excluídas do acesso, a politização da discussão fica maior e produz efeitos que transformam não só os meios criados por e para nós.”.
Assim, a comunicação brasileira, com sua base forte feminina negra, precisa garantir que as mulheres tenham não apenas um espaço, mas a voz necessária para transformar o setor. Tal mudança é um compromisso de todos. Afinal de contas, como Angela Davis afirma: quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.