O Instituto Reuters — que recentemente publicou pesquisa sobre o panorama do cenário nacional no jornalismo — produziu um levantamento chamado “Journalism, Media, and Technology Trends and Predictions 2025”, no qual a agência notícias procurou mapear o que a indústria de comunicação neste ano espera de si.
O relatório, de autoria do Senior Research Associate, Nic Newman, e da Diretora de Desenvolvimento de Liderança do instituto, Federica Cherubini, teve coleta e contou com respostas de 326 líderes de mídia (em cargos variantes de CEO até gerência de comunicações e administrativas sênior) de 51 países.
Entre os territórios representados na pesquisa incluíram Austrália, Nova Zelândia, Taiwan, Hong Kong, Singapura, Filipinas, Tailândia, Vietnã, Japão, Nigéria, África do Sul, Paraguai, Honduras, Uruguai, México, Brasil, Colômbia e Israel. Porém a maioria veio do Reino Unido, Estados Unidos ou países europeus como Alemanha, Espanha, França, Áustria, Finlândia, Noruega, Dinamarca e Países Baixos, assim como Polônia, Hungria e Eslováquia.
A Rede Jornalistas Pretos compilou alguns dos dados gerais e percepções destes profissionais acerca do jornalismo em 2025 e traz estes tópicos a fim de demonstrar e tentar traçar quais caminhos a própria comunicação anseia para si mundialmente neste ano que está apenas se iniciando. Destaques específicos chamaram atenção, como projeções de receitas, investimentos em plataformas e, sobretudo, o uso de Inteligência Artificial (IA) e outras automações. Veja abaixo.
A confiança geral
Gráfico representativo das mudanças. Acima as expectativas para 2022, abaixo para 2025. O número diminuiu de 60% para 41%.
Um dos tópicos mais sensíveis de análise no levantamento foi a confiança dos gerentes de comunicação a respeito do jornalismo e sua valorização no debate público. Apenas 41% dizem estar confiantes sobre a visão positiva da sociedade civil à feitura e checagem de notícias e reportagens. Na maioria das respostas dos demais, a crescente polarização política e ataques à imprensa foram argumentados como justificativas para o patente ceticismo.
Ainda que o percentual de confiança seja menor que o de descrença perante o escrutínio popular e validação das notícias, os chefes de comunicação estão seguros de si e suas empresas. 56% deles dizem estar confiantes sobre suas próprias perspectivas de negócios, um salto significativo em relação ao número do ano passado, por exemplo. Muitos editores-chefe que se disseram positivos esperam aumentos de tráfego em meio ao caos esperado de uma segunda presidência de Trump, algo corroborado até pelos que não creem tanto, que também admitiram a força da mídia em meio a acontecimentos “potentes”. Outros relatam crescimento em assinaturas on-line como fator para otimismo, enquanto determinados profissionais CEOs percebem que o advento das Inteligências Artificiais (IAs) favorecem o impulsionamento do público para mídias “tradicionais”, o que automaticamente, em seus pontos de vista, acabam resvalando em adoção maior a mídia de notícias.
A IA e a adição ao jornalismo: como ela é enxergada?
Por falar nas IAs, de acordo com a pesquisa, editores estarão colocando mais esforços neste ano na construção de relacionamentos com plataformas de Inteligência Artificial. Ao todo, houve um aumento de 56% na declaração de gerentes midiáticos e CEOs à adição das plataformas de automação como ChatGPT e Perplexity. Elas têm atraído conteúdo de alta qualidade em troca de citações e/ou dinheiro segundo os profissionais. A respeito da utilização em si, o uso de tecnologias de IA por organizações de notícias continua a crescer em todas as categorias, com a automação de back-end (60%) sendo considerada muito importante pelos profissionais de chefia, muitos dos quais implementaram kits de ferramentas de IA para apoiar novos fluxos de trabalho neste ano. A grande maioria (87%) relata sentir que as redações estão sendo totalmente ou parcialmente transformadas pela IA gerativa, com apenas 13% dizendo que não tanto ou de forma nenhuma.
O uso de IA voltado para o público tende a se proliferar em 2025, com os editores se aprofundando na personalização de formatos como forma de aumentar o engajamento. No levantamento, 75% dos profissionais disseram investir ativamente em recursos que transformam artigos de texto em áudio, além de fornecer resumos de IA no topo das matérias (70%) ou traduzir diretamente artigos de notícias para diferentes idiomas (65%) através dela. Mais da metade (56%) dos respondentes disse que estaria investigando chatbots de IA e interfaces de busca para facilitação de publicidade de conteúdo. Obviamente os experimentos não devem escalonar a níveis de dominância, contudo representarão parcela significativa.
Com a atenção dos consumidores nestas plataformas, o lado multimídia digital — sobretudo na criação de conteúdo em vídeo — é, como ressaltado, uma aposta mundial. Duas são alvo de esforços: o YouTube (de aumento de 52% nos planejamentos) e TikTok (crescente em 48%), seguidos pelo Instagram (43% a mais). Isto indica claramente uma guinada ainda maior à atualização e convergência das marcas e estilo jornalístico ao digital neste ano, segundo o Instituto Reuters. A grande maioria dos profissionais que responderam dizem estar desenvolvendo e promovendo ativações de IA neste ano para suas empresas – muitos deles com, particularmente, utilização de interfaces de conversa aprimoradas, como personalização ao consumidor de notícias.
Ferramentas como o ChatGPT da OpenAI agora vêm com recursos avançados de voz, e tanto o Siri quanto o Alexa estão recebendo atualizações. Exemplos crassos. Cerca de um quinto (20%) acha que essas interfaces serão a “próxima grande novidade”, com a metade (51%) esperando e almejando fazer um impacto mais gradual, paulatinamente implementado em suas instituições.
Aprofundando as informações acima, o investimento em conteúdo de áudio chega aos 46%, seguido do próprio vídeo (36%). Ainda assim, este último é o que tem percentual maior de desenvolvimento inicial, do zero, pouco investido nas empresas, e que terá maior foco em 2025.
Dados mostram desejo acentuado de aproximação e implementação por parte dos chefes nas organizações para uso de plataformas e automações. Ainda assim, o número de manutenção ao grau atual é maior.
Apesar das tendências ainda se mostrarem adeptas, por parte dos profissionais de chefia, ao uso maior de recursos automatizados e de tecnologias como as próprias IAs e outros softwares, grande parcela ainda se mostra cautelosa. Para se ter uma ideia, 31% quer reforçar fortemente estas aproximações às tecnologias e sistemas de inteligência ou investir — ainda que em pequena escala — no ano de 2025 no ramo dentro das organizações.
O número de satisfação dos profissionais que já usam é grande e se mantém maior até dos que querem ter mais domínio das ferramentas, chegando a 36%. A redução porém, chega aos mesmos 31%, com os chefes querendo, simultaneamente, em algum grau equipes adeptos a tecnologia em suas organizações mas não dependentes dela para fazer jornalismo, representando uma cautela acentuada. Ou seja, a tendência é de uma implementação de sistemas automatizados, contudo inseridos em forma gradativa dentro das redações.
A preocupação com o redirecionamento e a relação pessoal nas redes
Este ímpeto de maior adoção a tais automações e investimentos tem também um motivo categórico: preocupação com o declínio do tráfego de pesquisa. Até 74% dos líderes de mídia dizem estar preocupados com um possível declínio no tráfego de referência de mecanismos de busca em 2025. Dados obtidos do provedor de análise Chartbeat, cedidos ao Instituto Reuters para o levantamento, mostram que o tráfego agregado para centenas de sites de notícias da pesquisa do Google permanece estável, sem grandes aumentos esperados. Ainda que uma estabilidade seja válida em suma parte, editores-chefe e CEOs temem que os resumos gerados por IA possam afastar em largo grau o público das fontes de notícias tradicionais. O tráfego de referência para páginas de notícias do Facebook (hoje em 67%) e do Twitter (50%) caiu drasticamente nos últimos dois anos.
Se por um lado o investimento a estas “otimizações de recursos” nestas redes, sobretudo as em vídeo, que podem servir de fonte para páginas justamente destes aplicativos acima, o que corrobora a concentração de esforços, o sentimento dos editores em relação ao X/Twitter (queda de 68%) piorou neste ano após a maior politização da rede sob a gestão de Elon Musk. Alguns dos chefes destas organizações sequer postam com frequência ou fazem publicações na plataforma.
Para se ter uma ideia, veículos grandes internacionais como The Guardian, Dagens Nyheter e La Vanguardia estão entre os que pararam de postar, com o Bluesky sendo um dos principais beneficiários na guinada — 38% de escolha dos profissionais — em relação a rede gerenciada por Musk. O Google Discover está se tornando uma fonte de tráfego mais importante, com aumento de 27% no foco para 2025 – embora volátil –, que se tornou crítica para muitos negócios de notícias no último ano.
Receitas e o lado monetário
No lado comercial, quase quatro em dez (36%) dos profissionais de chefia esperam que a receita aumente. Um tópico de atenção dos mesmos é o faturamento ser, em termos de desejo, oriundo de licenciamento de empresas de tecnologia e IA, como fontes significativas de receita – o dobro de número em relação ao ano passado.
Mas o valor e a estrutura de qualquer acordo continuam sendo um ponto de controvérsia. A maioria dos respondentes da pesquisa (72%) diz preferir acordos coletivos, que beneficiem toda a indústria jornalística, em vez de cada empresa negociar seus próprios interesses (19%).
Respondendo de forma mais direta sobre suas realidades, a assinatura e a adesão continuam sendo o principal foco de receita (77%) para os editores, à frente da publicidade display (69%) e publicidade nativa (59%). A maioria agora depende também de três ou quatro diferentes fontes de receita alternativas, incluindo eventos (48%), receita de afiliados (29%), doações (19%) e negócios relacionados (15%).
Produtos e projetos: da automação ao aprendizado
Dados com as tendências planejadas para conteúdo nas plataformas e abaixo tendências de estilos de notícia e conteúdo jornalístico.
Com o crescimento das assinaturas desacelerando, o desenvolvimento de novos produtos deve se tornar uma prioridade mais importante no próximo ano. Mais de um quarto dos profissionais (29%) dizem estar pensando ativamente ou planejando lançar novos produtos — geralmente no meio eletrônico, como aplicativos e plataformas —, enquanto 26% estão focados em investimento de projetos voltados à educação e workshops.
Produtos voltados ao ramo do jornalismo esportivo ganham destaque, com 30% do investimento. Já as áreas mais voltadas a variedades ganharam força, com particularmente o ramo cultural de culinária local de distintos países e suas histórias tendo ganhado substanciais 28%, seguidos dos já mencionados projetos de palestras e eventos educativos do parágrafo anterior.
Cerca de um quinto (20%) planeja lançar uma versão internacional ou em outro idioma de seus conteúdos. Muitos desses novos produtos são salientados pelos respondentes do levantamento da Reuters como parte de assinaturas “all-access” para reduzir a rotatividade. O público-alvo, de quatro em dez, é jovem e da faixa meia-idade juvenil (30 a 40), que chegam aos 42%. Neste público, o investimento chega a 31% a mais, sendo o terceiro no geral “grau” de crescimento nos quais as empresas pretendem para 2025, depois de investimento em conteúdos de áudio e vídeo, citados anteriormente na matéria.
Tendências e cenários: favoráveis ou preocupantes?
Os editores-chefe estão no geral, apesar de repletos de planos, um tanto divididos sobre se as tendências em direção a influenciadores e criadores são efetivamente boas ou ruins para o jornalismo. Cerca de um quarto (27%) tem uma visão negativa, preocupados que a reportagem jornalística e o fazer comunicativo noticioso institucional possam ser sufocados ou descredibilizados.
Já outros (28%) são mais otimistas, sentindo as organizações de notícias podem aprender em termos de criatividade na narrativa e construção de comunidades e aprimorarem seu ambiente em distintas ferramentas, pulverizando penetratividade no debate público e trazendo novos consumidores.
Relacionado a isso, alguns editores se preocupam na “fragmentação de pessoal”: ou seja, perder suas estrelas editoriais para uma comunicação mais voltada para personalidades e individualizada, em vez de concentradas de nomes atrelados a veiculos. Os mercados de profissionais migrando a influenciadores e comunicadores independentes é um alerta. Ou seja, o “vestir a camisa do jornal ou instituição” é um plus, sentido ausente hoje pelos chefes.
O Brasil é, em específico, parte deste sentimento. Dentro do relatório, o país é apontado como um dos que mais sentem esta “fragmentação”, com alto número de personalidades proeminentes das redes sociais apresentam uma mistura de notícias, entretenimento e opinião por meio de canais no YouTube e Instagram. Em outros lugares, claro, também encontramos um número de jovens criadores de notícias com reputação por explicar as notícias ou realizar investigações originais — sem a necessidade de atrelar-se a uma organização.
“Os acordos coletivos baseados em organizações de imprensa estabelecidas nacional ou internacionalmente devem definir o tom adequado para garantir oportunidades equitativas para os editores em todo o mundo”, afirma Tai Nalon, cofundadora e diretora executiva do Aos Fatos, no Brasil, onde plataformas assinaram contratos com agências internacionais de notícias, ignorando as empresas locais. “Isso fomenta um processo de neocolonialismo e erode ecossistemas vulneráveis”, diz ela.
Para a contratação, jornalistas, editores plenos e repórteres seguem em estabilidade, com a preocupação sendo atrair e reter talentos em três campos: nas áreas de produto e design (38%), ciência de dados (52%) e engenharia de software (55%), grupos de um momento em que o desenvolvimento de novos produtos se torna mais importante do que nunca para a comunicação. Os profissionais, em 2025, esperam no geral, um crescimento: em todos os sentidos. Fortalecimento de seus próprios produtos e operações e também do mercado comunicativo. Conforme dito no início da reportagem, a confiança impera substancialmente em 55% e 45%, respectivamente, dos entrevistados.
O que esperar e o que 2025 nos espera?
Os dados no geral mostram um mercado jornalístico muito antenado, porém cuidadoso. Tateador. Analítico. Com tempos da digitalização, o olhar técnico e ao mesmo tempo de investimento em diferentes técnicas e modus operandi de fazer comunicação e angariar público precisam estar apurados. Não apenas para uma organização jornalística, mas para toda a profissão.
Se todas as tendências, desejos e prospecções feitas serão concretizadas, o tempo é quem dirá. Contudo, reconhecer que boa parte delas já está entre nós e é hora de conhecer e aprimorá-las como parte do jornalismo, social e comercialmente, é mais que sobrevivência, sendo a essência de noticiar sempre pulsante, constante e, claro, mutante.
Leave A Comment