O Brasil é um país incipiente em um tópico importante: a representatividade racial na mídia. Ainda que 56% — segundo dados do Censo Demográfico de 2022 — se considere negra, pouco se reflete tal presença em muitos dos veículos de comunicação jornalística no país. Se no Brasil, país no qual ainda a parcela é substancial e esta representatividade pouco é sentida, no exterior e no resto do mundo a dimensão da ausência é ainda mais abissal.
Em outros países, onde eles representam proporções menores da população, o jornalismo e nos meios de comunicação sofrem ainda mais com o chamado “embranquecimento”. Não obstante de quem o faz, mas também das próprias pautas.
Contudo, iniciativas voltadas à representatividade e sobretudo a um esforço global do jornalismo diversificado têm vindo à tona cada vez mais. Além da feitura de veículos propriamente coordenados voltados ao impacto global, projetos e colaborações à nível internacional têm surgido para mudar a defasagem em representatividade midiática.
Uma destas criações está na própria Rede Jornalistas Pretos, que está neste momento promovendo uma coalizão internacional latina de participação no jornalismo. Ela engloba dois projetos de extremo destaque: a Red de Periodistas AfroLatinos e uma parceria com o América Futura, do jornal El País, para envio direto de reportagens por parte de jornalistas.
Os projetos vêm em um momento no qual a Rede deseja ampliar o objetivo de conectar jornalistas negros de todo o mundo para fortificação representatividade. A Red de Periodistas atua com nomes fortes do jornalismo brasileiro, como Denise Mota, Dennis de Oliveira e de outras nações, como a peruana Sofía Carrillo, a argentina Sandra Chagas e o uruguaio Eduardo Delgado.
Dentro de sua criação, que incentiva a internacionalização de pautas oriundas de jornalistas brasileiros, há a parceria com o América Futura, seção do jornal El País voltada para a sustentabilidade e o jornalismo de impacto. Por ele, jornalistas negros brasileiros — e de outros territórios latinos — enviam suas pautas e reportagens diretamente para o veículo, garantindo uma repercussão internacional.
Através de um formulário na página da Rede, os jornalistas preencherão a pauta, com nome completo, localização e o texto que será enviado para análise da Rede. Assim que avaliado, e se aprovado, será publicado no América Futura e o profissional imediatamente remunerado pela matéria. Os textos poderão ser enviados tanto em tradução própria já do espanhol como em português.
Marcelle Chagas, coordenadora líder da Rede JP e também parte da Red de Periodistas AfroLatinos, ressalta a importância das iniciativas.
“Certos acontecimentos nos cruzam ao redor do mundo da mesma forma. Ao trocar essas experiências, conseguimos identificar o que pode ser interessante para o Brasil, e experiências nossas podem ser interessantes [para jornalistas em outros países] também.”
Depois de realizar dois Encontros Nacionais de Jornalistas da Diáspora Africana, em 2021 e 2022, ela disse entender a necessidade de conectar jornalistas da região, marcada pela colonização europeia e pela escravização de pessoas africanas, para a troca de experiências.
Denise Mota, outra integrante da Red, jornalista brasileira Denise Mota, colunista da Folha de S.Paulo e editora na Agência France Presse, vive vive no Uruguai há 19 anos e relata a ausência sentida por uma falta de diversidade na comunicação em outros países latinos. Por isso, foi um dos motivos nos quais quis participar ativamente da formação da Red de Periodistas.
“Existe não só esse vazio de conseguir articular na América Latina esse debate da
diversidade comunicativa forma organizada, mas também que jornalistas afro em outros
países estão muito sozinhos. Eles atuam de forma isolada ou em coletivos muito pequenos, enquanto no Brasil existem coletivos com mais de 200 pessoas, no mínimo, como a Rede Jornalistas Pretos. Existem projetos maravilhosos em vários países e estão todos desconectados. O Brasil, pelo tamanho de sua população negra e por já ter feito avanços nesse tema, tem uma ‘responsabilidade objetiva’ frente a seus vizinhos e pode contribuir compartilhando o trabalho concreto que tem sido desenvolvido no país e servir de lição e conexão aos outros.”
“Existem projetos maravilhosos em vários países e estão todos desconectados”, disse Mota. “Os colegas do Peru não sabem o que estão fazendo os colegas do México; os colegas da Argentina a duras penas sabem um pouco do que está acontecendo no Uruguai. E o Brasil, como país que fala português no meio desse mar de fala hispânica, muitas vezes também fica de fora do debate”, frisa a jornalista.
Em seguida, ela reflete sobre a importância do fechamento, já neste início da Red, da parceria com o América Futura. Mota pontua que a marca importa, mas o primordial é o espaço dado aos jornalistas. “Não vamos publicar só porque o El País é uma linda vitrine. É uma colaboração como qualquer outra, tem uma remuneração de mercado, não é nada simbólico. É uma vitrine, sim, mas a ideia é abrir espaço para expandir vozes que estão trabalhando em suas comunidades e territórios.”, categoriza.
Com as iniciativas, a Rede se movimenta dentro de um caminho no qual o futuro da comunicação é não apenas mais voltado à diversidade nas redações, reportagens e afins, mas a unificação dela — em todas as partes do mundo — em prol de uma comunicação mais fortalecida racialmente. Em representação nas matérias e em quem as faz.
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