Nestes últimos dias, foi divulgado relatório da agência de notícia Reuters sobre o comportamento e a relação das sociedades em diversas partes do mundo perante a mídia e a comunicação. Tendências, desconfianças, cenários favoráveis ou desfavoráveis à adoção ao jornalismo como fonte de informação entre outras variantes foram considerados.
Diversos países do mundo estiveram na pesquisa, porém, claro, o enfoque principal de interesse para nós é ver de perto tendências ao encontro do nosso território, país: o Brasil. Baseando-se nisso, a Rede JP nesta matéria aprofunda e apresenta todos os dados relevantes do levantamento, que contou com diversas coletas de perguntas e análises próprias com institutos parceiros entre os anos de 2013 e 2024.
Quando se analisa dados, sempre é razoável estarmos à par de onde e em que contexto eles se apresentam. No caso do Brasil, os últimos anos mostraram uma sociedade fragilizada. Ataques em massa de fake news nas eleições de 2022, fim do governo Bolsonaro sob díspares mensagens e convocações para atos antidemocráticos, início do governo Lula, abuso de poder que gerou inegibilidade do primeiro citado e aumento do uso de plataformas digitais para propagação de discursos de ódio e mobilização contra a imprensa ditaram, se não todo, grande parte deste biênio.
Justamente neste contexto de polarização e uso de redes para divulgação de próprias agendas — muitas vezes propiciadoras de fake news —, o poderio de distintas mídias como veículos de confiança ficou comprometido. E boa parte da pesquisa dá a tônica neste sentido.
Iremos analisar os dados principais e avaliar o comportamento de hoje da população perante o jornalismo. Quais veículos perderam espaço em confiança, de que forma o consumo de notícias ocorre, em que redes, como o compartilhamento é feito para ao fim da matéria refletirmos: o brasileiro confia e ainda tem esperança na prática jornalística?
A credibilidade e confiabilidade geral
Embora a confiabilidade seja diretamente atrelada ao poderio e presença de veículos tradicionais, a pesquisa mostra uma tendência mais afastadora nesse sentido perante o público atual.
Embora determinadas organizações jornalísticas ainda tenham mantido e até reconquistado credibilidade a partir de 2023 e este ano, a pulverização nos últimos tempos se intensificou a favor da busca de fontes “independentes”, sites locais ou o chamado jornalismo “alternativo”.
Para se ter uma ideia, analisando o consumo online e em confiança declarada nestes veículos, o índice é de 11% e 61%, respectivamente. Considerado substancial em relação a outros, no caso deste último a opção fica em segundo lugar como “instituição” jornalística de maior confiabilidade segundo os brasileiros, à frente de praticamente todas as emissoras e portais. Perde somente para o SBT.
Outras emissoras e jornais/portais, em outra época líderes, tiveram tímida queda. Caso da Folha de São Paulo e a Rede Globo. Esta última, apesar de ser ainda top 10 em confiança, é empatada com o jornal de seu grupo, O Globo, como o menos confiável, com 29%. Ainda assim, o número de “confiantes” é quase o dobro: 55%.
Se destacam também entre os mais confiáveis a Band News (59%) e o Uol (56%). O Estado de S.Paulo e Folha de São Paulo (54%) e a Rede TV, com 52% também apresentam números positivos.
O nível geral, porém, de confiança do brasileiro no jornalismo — analisando os últimos dez anos, dentro deste tópico na pesquisa — teve diminuição de quase 20%. De 62% em 2014, agora tem 43%. Apesar disto, duas variantes são significativas: o número esteve em estabilidade nos últimos dois anos após queda acentuada entre 2020 e 2022. Em adição a tal fato, entre os países da América Latina — em porcentagem total e considerando o grau de oscilação menor —, o Brasil é a nação em que as pessoas mais confiam no jornalismo e na mídia de notícias.
O consumo em si
Falando de consumo, visibilidade, a coisa muda de figura e ganha complexidade. Se o grupo Globo aparece não tão quisto em confiança, em seguida há um certo paradoxo mostrado pelo levantamento. Isto porque a Rede é disparada a líder em consumo por parte dos brasileiros. Em mídia tradicional e TV — incluindo acessos posteriores à serviço de streaming, Globoplay, vinculado à emissora aberta como fonte primária — o índice é de 42% de acesso. Em endereço online de notícias, o Globo News (G1) tem 33% de consumo entre os sites.
Enquanto online o G1 é seguido de perto pelo Uol e pela Globo.com (Gshow), com 32 e 26%, respectivamente, de consumo, na televisão o jornalismo da emissora é líder com larga folga, já que o segundo lugar é da Record, que conta com 30% da audiência. Mais de 10 por cento de audiência (42%) separam a gerenciada por Edir Macedo da fundada em 1965 por Dr. Roberto Marinho.
Desta audiência total, a maioria (cerca de 27%) vê o jornalismo da emissora por mais de três dias na semana. Se não o ver diretamente, tem acesso à notícias originárias por fontes da empresa, seja por repórteres de lá ou exclusividades de algum telejornal, replicadas em rádio, prints ou postagens. Online, a taxa de assiduidade é similar em relação ao todo, porém menor (19%). É disparadamente a que tem a audiência mais fiel, por assim dizer.
Entre outras emissoras que fecham o top 5 em consumo de jornalismo televisivo estão o SBT, com 22%; afiliadas locais, com 19%; GloboNews, canal fechado de notícias da Globo, com 18%; e a Band, empatada com 18%.
Online, fechando depois dos três citados, estão o portal R7, do grupo Record, com 21%; a versão online do jornal O Globo, com 21%; e o site Terra, com 13%. Chama a atenção a distinção considerável de público dos primeiros a partir do Terra, quase de dez por cento a menos em público. Demais sites pouco variam de audiência de TV ou de suas versões em jornais tradicionais.
Uma notável exceção é o fortalecimento da Band News em TV e rádio e o acesso relativamente menor em sua versão online: 18% contra 11%. Já a Folha de São Paulo tem o consumidor do jornal tradicional fora do top 10, enquanto o online entra entre os dez mais vistos.
A recorrência é sempre constante: em praticamente todos, a visita maior entre os que consomem é de mais de 3 dias pela semana no mínimo, o que mostra um público fiel substancialmente. Uma notável exceção ocorre no online de três veículos: o O Globo, a própria Folha de São Paulo e o Uol, cuja frequência vai até dois dias ou menos de acompanhamento em maioria.
Se por um lado isso é visto como uma parcela menos assídua de público, por outro denota capacidade dos veículos de “furar bolha” e trazer sazonalidade de usuários nas redes que não necessariamente os acompanham sempre. Isto é um tópico importante, já que no levantamento os sites, mesmo com esta característica, não perderam público geral.
Meios de aparelhagem para ver, procurar e compartilhar notícias
Imagem do gráfico representado. Fonte: Reuters.
Agora é hora de analisarmos uma variante crucial do levantamento: por onde indivíduos vêem, compartilham e geralmente se informam. Em respeito, claro, à ferramentas de procura e aparelhos (em caso online) de consumo e compartilhamento.
Há dez anos, o consumo online — acesso direto por sites ou reportagens de TV ou rádio replicadas nas redes — já era o campeão (90%), seguido pela TV aberta (75%) em segundo, com as postagens replicadas em imagem em terceiro lugar (50%) e em último, as redes sociais como um todo — recepção de notícias por compartilhamento ou “feed” — chegando à 47%. Hoje, 2024, o número drasticamente se alterou. O online ainda vence com 74%, seguido de um acirramento: as redes com 51% e a TV com 50%. Já os posts replicados em imagem/print, caíram em substancial desuso, chegando a meros 11%.
Pelo levantamento nota-se uma interessante tendência. Enquanto a estabilidade do consumo online esteve padrão entre 2013 e 2020, a partir de 2021 ela começa a oscilar, chegando a uma queda constante a partir da metade de 2023. O ato de se informar pelas redes e por aplicativos de mensagem apresenta trajetória similar, tendo um “boom” entre 2014 e 2017 e a partir de 2018 possuindo oscilações até 2020, quando teve aumento (pela pandemia) e pelo início de 2023 vem em queda.
Já a TV tem uma distinção: teve estabilidade entre 2013/2014 e 2016 e a partir de 2018 entrou em queda constante, ainda que menos drástica que as demais opções. Isto até 2022, quando voltou a apresentar estabilidade, sem queda até hoje. Já posts replicados em imagem/print tiveram relevância até o início de 2016, caindo até a pandemia, em 2020. Eles apresentam, contudo, certa estabilidade de 2021 em diante, ainda que com baixo número.
É oficial: a TV se acirrou com as redes como fonte primária de notícias. Ainda assim, o consumo online de conteúdos tanto dela, quanto de outros veículos se mantém soberano, embora com frente mais estreita.
Este certo “resgate” de um modo tradicional de consumo jornalístico está embutido na aparelhagem de consumo online também. Em compartilhamento, leitura e assiduidade. O notebook/PC, líder soberano há dez anos atrás, perdeu seu trono: de 83%, hoje tem 51% de preferência, ainda que com adoção substancial maior (acima de 12% em aumento).
Mas os celulares de fato são os campeões. De 23%, hoje quase quadruplicaram em preferência: 82%. A distância, contudo, diminuiu em relação ao vice. Se antes o notebook/PC liderava com 60% a mais de escolha, hoje o celular vence por pouco mais de 30%. Ou seja, o resgate por um modo mais tradicionalista extra-smartphone de se informar é também real. Por fim, os tablets não tiveram tanta alteração: dos 14% de 2013/2014, hoje a preferência chega a 30%. Também com maior escolha nos últimos tempos, entretanto com margem menor que o de notebooks/PCs.
Continuando no online, agora analisaremos por quais redes o tráfego de ler e compartilhar online se dá mais. Acertou quem palpitou o Whatsapp! Ele é o campeão de disseminação de informações e leituras segundo a pesquisa. Do todo de conteúdos compartilhados e vistos (69%, excluindo mensagens pessoais e vídeos próprios feitos pelo usuário), 38% são de notícias, seguido do YouTube, também em 38% — exclusivo aqui porém em acessos.
O Instagram vem em terceiro com 36%, seguido do Facebook em quarto, com 29% e o TikTok em quinto. De todas as redes a que mais obteve queda em 2024 em comparação aos últimos dez anos foi o Facebook, com déficit de 6% de público em visibilidade e compartilhamento. O TikTok, desde sua fundação e uso em larga escala a partir de 2017/2018, foi a que menos perdeu: com míseros 1% de queda.
O X/Twitter fica em último lugar no compartilhamento e visibilidade de informações ao todo, com somente 9%. Embora ainda mais da metade dos seus usuários veja e compartilhe notícias por lá, também foi uma das que mais perdeu em público nos últimos anos (5% de queda constante), perdendo apenas para o citado Facebook. Destes percentuais, chama atenção a perda de 2% direta com o rebranding do aplicativo após a compra da rede pelo empresário Elon Musk, em outubro de 2022.
Por fim, 41% das trocas e repercussões se dão por email, mensagens privativas nos aplicativos ou pelo próprio Whatsapp. A chamada repercussão geral — ocorrida primariamente por assunto verbal no dia a dia, impulsionado pelo consumo primário na rede ou TV — ainda impera com 57%.
O que os números apontam sobre o hoje e o futuro?
Com a enxurrada de informações, extremamente importantes, trazidas pela pesquisa, ecoa a pergunta de como o jornalismo está presente na vida das pessoas hoje e quais suas tendências para o futuro. A resposta é complexa, quase impossibilitadora de afirmações muito categóricas, mas dada as tendências dos números e levantes demonstrados, o Brasil vive hoje maior estabilidade em confiança e acesso às noticias.
Em outros períodos de grande oscilação e turbulência, há um desejo de grande parte dos indivíduos em, acima de tudo, se manter informado. A estabilidade em análise de consumos pela TV e a diminuição da distância entre a visibilidade do celular — meio de comunicação naturalmente mais efêmero pelas inúmeras aplicações que oferece — e o notebook, onde o espaço para procura exata de informações é mais direcionado, até pelo tamanho e disponibilidade do aparelho — mostram que a vontade de se manter informado por métodos e mídias digamos, tradicionais, ainda encontra bandeira fincada.
Se isso representará um retorno maior nos tempos futuros, pouco é claro dizer, mas denota que a população — em meio à tanta informação nas redes — procura se manter atualizada em se informar através de âncoras mais confiáveis possíveis para elas. O consumo também é constante, considerando a forte presença da entrada, tanto em sites quanto em TVs e na compra de jornais, no mínimo de 3 vezes por semana, aos noticiários de uma empresa ou emissora.
Isto mostra um sinal. A população é, além de sedenta por informação, um tanto ávida por longevidade à quem informa. Longevidade passa por credibilidade, que por sua vez é se não antagonista por completo, é um belo de um antídoto ao jornalismo predatório de click baits ou notícias falsas em larga escala. E a conquista por isso já é o sinal de que o povo brasileiro quer, e principalmente, pode se informar cara vez melhor.
E esperamos que cada vez esse desejo e poder sejam atendidos. Afinal de contas, condições não nos faltam e faltarão jamais.
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