Na segunda matéria do mês de conscientização sobre saúde mental, trazemos relatos de jornalistas e especialistas que evidenciam os desafios enfrentados no ambiente de trabalho, especialmente entre profissionais negros.
Guilherme Araujo, estudante de jornalismo, de 20 anos, estagiário da Agência Mural, morador de Brasília, compartilha sua trajetória marcada por episódios de ansiedade, síndrome do impostor e enfrentamento do racismo estrutural na comunicação. Sua história reflete a realidade de muitos jornalistas negros, no Brasil e no mundo.
Desde o início da faculdade, Guilherme experimentou insegurança em relação às próprias conquistas, muitas vezes sentindo que não era merecedor das oportunidades que teve. “Às vezes, parecia que não era eu quem tinha passado no vestibular. Era como se o meu lugar ali não fosse legítimo”, conta. Esses sentimentos se intensificaram no mercado de trabalho, onde a pressão para provar sua competência aumentou devido à baixa representatividade e ao racismo.
A “síndrome do impostor”, afeta especialmente jornalistas negros, que enfrentam constantemente questionamentos sobre suas capacidades. “Para me destacar, preciso ser duas vezes melhor. Infelizmente, não basta ser bom; é preciso ter um diferencial que me coloque em evidência, e isso vem com um custo emocional elevado”, explica Guilherme.
As preocupações não são exclusivas suas. De acordo com levantamento da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), em 2020, 61,25% dos profissionais brasileiros da área enfrentou aumento de estresse e ansiedade durante a pandemia. Já em 2022 a pesquisa do Perfil do Jornalista Brasileiro, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), revelou que 66,2% dos jornalistas participantes declarou se sentir estressado; 34,1% deles tinham diagnóstico formal; 20,1% tiveram diagnóstico de transtorno mental relacionado ao trabalho; enquanto 31,4% receberam recomendação médica para uso de antidepressivos. Entre os principais sintomas exemplificados estão justamente os ligados à síndrome do impostor.
Desafios da transição do acadêmico para o profissional
Durante a faculdade, Guilherme sentiu liberdade para desenvolver suas próprias pautas com apoio dos professores, o que mudou ao ingressar no mercado de trabalho. “No ambiente acadêmico, eu tinha mais autonomia; no profissional, as matérias seguem a linha editorial da empresa, e muitas vezes as ideias próprias ficam de lado”, comenta.
Esse “choque” de expectativas pode levar ao esgotamento, especialmente em jovens profissionais negros, que enfrentam pressões para manterem-se no mercado e validarem suas habilidades continuamente. “O que mais me passa pela cabeça é que isso aconteça comigo e com vários por não conseguir me espelhar em tantas figuras que se parecem comigo, ou por saber que o reconhecimento maior, na maioria das vezes, vai para pessoas brancas. Se você pergunta a alguém quais jornalistas ela admira ou gostaria de conhecer, jornalistas negros são citados com uma frequência muito baixa. É um aquela questão de ‘ter que ser duas vezes melhor'”, frisa.
Foto de Guilherme, graduando e atuante em jornalismo e personagem da matéria. Crédito: Reprodução – Internet.
“Infelizmente, também, acredito que, para se destacar na área e ser um rosto conhecido, não basta ser bom; você precisa ter seus próprios destaques, tudo isso impacta”, complementa Guilherme, refletindo, de forma um tanto crítica quanto ser negro influi nas oportunidades ou falta delas dentro do mercado de trabalho da comunicação.
A terapia como fator essencial
Ao iniciar a terapia, Guilherme encontrou um espaço para lidar com a ansiedade e a insegurança, ganhando clareza sobre os desafios psicológicos. “É um processo de desconstrução de crenças antigas, mas também de lidar com fatores estruturais que impactam minha carreira”, conta.
A psicóloga Maria da Conceição Nascimento, especialista em saúde mental para populações racializadas, aponta que o tratamento com profissionais negros é essencial para entender a realidade do racismo e suas implicações psicológicas.
Foto de Maria, Conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, e representante do Conselho na Articulação Nacional de Psicólogos Negros e Pesquisadores de Relações Raciais e Subjetividades (ANPSINEP). Crédito: Reprodução – Internet.
Guilherme acredita que o debate sobre saúde mental e racismo deveria ser mais amplamente discutido, especialmente em redações. “Quantos jornalistas que fazem matérias sobre saúde mental realmente desfrutam desse direito? A falta de valorização do trabalho e a competição desleal com as redes sociais contribuem para o estresse”, observa.
Nesse contexto, a psicóloga e especialista em diversidade e inclusão Sarah Aline complementa, destacando a importância do lazer como forma de cuidado mental e resistência. “O lazer é um direito que vai muito além do descanso físico. É onde nos reconhecemos como merecedores de prazer, de alegria e de cuidado. Para muitas pessoas pretas, isso significa quebrar barreiras históricas e afirmar que nossa presença é legítima nesses espaços”, reflete.
Psicóloga e especialista em DEI Sarah Aline. Paulista, além de atuante na área terapêutica e de diversidade organizacional, participou do reality show Big Brother Brasil em 2023.
Ela observa que o envolvimento em atividades prazerosas — seja um esporte, hobby ou viagem — ajuda a construir novas narrativas, onde a população preta é protagonista de suas próprias experiências. “Ver-se possível em momentos de lazer fortalece a autoestima e mostra que nossa vida também pode ser completa e leve”, acrescenta Sarah.
A importância do tema hoje e no amanhã da comunicação
Ao engajar-se nessas práticas, o lazer reforça o direito de viver uma vida plena, em um movimento essencial para a autoconfiança e para a construção de identidades fortalecidas. A saúde mental dos jornalistas negros é um tema urgente, refletindo não só os desafios do setor de comunicação, mas também os efeitos duradouros do racismo estrutural.
A narrativa de Guilherme evidencia como a pressão para provar a competência pode desencadear transtornos mentais, e as psicólogas Maria da Conceição e Sarah Aline reforçam a importância do acesso à terapia e ao lazer como elementos essenciais para um ambiente mais acolhedor e justo. Algo que sempre devemos nos conscientizar.
Pauta por Marcelle Chagas; texto por Marcelle Chagas e Kelvyn Araujo. Edição final: Marcelle Chagas.
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