Em meio à constantes fake news e em contrapartida ao maior contingente de veículos jornalísticos online, fica a presente demanda de checagem de fatos e garantia de um jornalismo e a comunicação cada vez mais idônea. Mas isto realmente se concretizará no Brasil e de que forma?
A digitalização da comunicação indubitavelmente é uma faca de dois gumes para a informação da sociedade em distintos níveis. Se por um lado, a internet possibilitou o acesso à notícia de forma muito mais rápida, multiplural e irrestrita à determinados veículos e formas de consumo antes “tradicionais”, a pluralidade de quem fornece tais informações acabou se pulverizando em meio à tantos perfis, nomes, instituições — que nem sempre servem à uma verdade.
Talvez seja este o grande dilema da comunicação digital hoje. No Brasil e no mundo. Criar uma intersecção entre um jornalismo ativo digitalmente e de confiança junto à uma potente barreira da divulgação de fake news a quem se disfarça de profissional de notícias é o grande quebra-cabeça que necessita de uma peça para ser finalmente completado. Aparentemente, ela deve estar muito próxima de fechar a questão.
Isto porque, recentemente, foi anunciado o Programa de Indicadores de Compromissos com o Público. Ele, parte de uma iniciativa da Projor — Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, avaliará a conformidade e veracidade de sites de notícias com 11 indicadores que, segundo a instituição, representam os compromissos desses meios com o público.
O programa vem em um momento oportuno. Recentemente, o Atlas da Notícia, realizado pela própria Projor, coletou numericamente uma atualização da quantidade de veículos jornalísticos online no Brasil. Ao todo, 5.930 instituições comunicativas de notícias operam segundo recente edição do levantamento feito frequentemente pela organização. Além de demonstrar uma diminuição considerável dos chamados “desertos de notícia”, patente em regiões do país com pouco ou nenhum acesso à mídia digitalizada para além dos meios tradicionais, o país como um todo viu a maior incursão pessoal das populações destas localidades à imprensa extra-online, aumentando audiência e rentabilidade de jornais impressos, rádios e TV.
Em contrapartida, apesar de alguns destas regiões onde houveram estas diminuições estarem mais informadas, pouco houve o aumento de veículos produtores de jornalismo. Por exemplo, na região Centro-Oeste do país houve diminuição, de acordo com a pesquisa, que pode ser conferida aqui. Na região Sudeste, o consumo online disparou — ainda que também há uma característica que coadune com outros pontos da coleta feita: a predominância do rádio nos últimos anos entre a preferência dos indivíduos.
Já no Norte e Nordeste, a imprensa online aumentou e estas foram as duas regiões que acentuadamente tiveram mais informações circuladas via veículos digitais. O que mostra, além de todas as outras, a importância do meio para a difusão de uma sociedade mais informada. No mundo e, sobretudo no país, centro focal da matéria.
Sérgio Lüdtke, presidente do Projor, revelou recentemente à LatAm Jornalism Review que programa vai ao encontro de uma demanda para além do social, a profissional dos próprios jornalistas.
“Há algum tempo as pessoas nos cobram sobre o nível de qualificação das organizações listadas no Atlas, quem faz bom jornalismo e quem não faz. Não é fácil fazer avaliação de conteúdo, e nem é o objetivo do Atlas. Temos falado muito nos desertos de notícias, onde não há o jornalismo, mas o jornalismo é muito precário onde ele está. Não podemos só dar atenção para onde ele não está sem pensar em melhorar onde ele já está instalado. Chegamos à conclusão de que o melhor seria tentar identificar alguns indicadores que demonstrassem compromissos dos veículos com suas audiências, com suas comunidades de leitores. Começamos a pesquisar e avaliar que indicadores seriam esses, que critérios poderíamos utilizar.”
A partir de recurso disponibilizado pela Google News Initiative no ano passado, Lüdtke e a equipe começaram a maturação da ideia de medição da transparência e a credibilidade dos veículos. Para otimizar o processo sob critérios particulares, conforme frisamos, foram onze tópicos selecionados. Entre eles:
Expediente
Princípios editoriais
Política de correção de erros
Afiliação a associações setoriais do jornalismo
Acesso aos profissionais da redação
Propriedade do veículo
Identificação clara de conteúdos patrocinados
Transparência de financiamento
Identificação de autoria
Política de privacidade
Acessibilidade
Os veículos contantes em, no mínimo, oito dos onze indicadores receberão selo de conformidade com o programa, que será anexado aos sites. Segundo o regulamento da iniciativa, o selo terá validade de um ano, e o Projor fará anualmente a revisão da continuidade do mesmo.
A própria instituição jornalística avaliada poderá solicitar uma nova análise neste ínterim. Ou seja, se não implementarmos totalmente um jornalismo e uma comunicação responsável a quem a faz no Brasil, estamos bem perto do caminho de obtê-la, já que o processo é inédito no jornalismo sul-americano.
Frisa Lüdtke:
“Se os veículos adotarem essas práticas, teremos uma evolução na transparência em relação aos seus processos, o que é um ganho para o ecossistema online de notícias”
A primeira fase de avaliação do programa já começou e analisará veículos afiliados à Associação de Jornalismo Digital (Ajor), à Associação Nacional de Jornais (ANJ) e à Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). No fim de novembro, o Programa deverá publicar um levantamento com as primeiras impressões.
Ainda que o processo de análise esteja sob fase inicial, Lüdtke revelou que até o momento o indicador de menor conformidade entre os sites de notícias avaliados é a acessibilidade.
“Os veículos têm menos atenção para esse ponto da acessibilidade, que é importante. Se conseguirmos fazer com que eles apliquem algumas mudanças que melhorem a acessibilidade do site, já é um ganho para uma parcela muito grande dos leitores”.
Por fim, ele ressalta como não basta apenas seguir os tópicos em conformidade, mas que a Atlas da Notícia contou com outras instituições e aplicações analíticas que determinarão com a maior acurácia possível quem produz conteúdo jornalístico idôneo e factual. Entre eles a Ajor, a ANJ e a Aner ajudaram a determinar os indicadores e os critérios de elegibilidade.
“Um site que produz desinformação, por exemplo, que simule conteúdo noticioso, poderia cumprir com todas as conformidades, mas colocamos alguns obstáculos. Por exemplo, se o veículo foi alvo de alguma checagem de uma agência vinculada ao IFCN [International Fact-Checking Network] nos últimos dois anos, ou se a maior parte do conteúdo que ele publica não é original, ele não pode receber o selo. O fato de um veículo declarar seus princípios, mostrar seus processos, quem faz parte da equipe, suas políticas de correção de erros, e deixar isso público e oferecer a possibilidade de ser cobrado pelo leitor é um indicativo muito forte de que o veículo tem um compromisso com o leitor.”
A iniciativa vem a calhar em um momento no qual os limites democráticos na América Latina e no Brasil foram testados e que grande parte dos “veículos” jornalísticos online, disseminadores de notícias falsas, agendas eleitoreiros disfarçadas acabaram se passando por credibilizadores e pautaram as pessoas sob bases errôneas, de notícia e com o pior impacto à comunicação possível.
Projetos, propostas e programas que visem tornar a comunicação cada vez mais factual e isônoma em relato de evidências e fatos são mais que bem vindos em tempos onde a efemeridade acaba sinônimo de ignorância nas redes e para quem as consome, são necessários, vitais. Ao jornalismo, a população e ao país. E que cada vez mais iniciativas como essa, infelizmente incipientes em larga escala, se tornem presentes no corpo profissional das instituições jornalístico e não um mero lapso de ação à uma enxurrada de mentiras disfarçadas de verdade que afetam à todos nós.
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