Esmerilhando-se em dados e relatos de especialistas, a Rede Jornalistas Pretos tenta observar o cenário eleitoral na cobertura e participação parlamentária negra e quais os prognósticos destes tópicos neste e em pleitos nos anos seguintes
Dentro de poucos dias, todo o Brasil terá suas eleições municipais. Como praxe, este período — tal qual o pleito nacional, que ocorrerá em 2026 — é recheado de características próprias: carreatas por cidades e bairros, lambe-lambe em postes e calçadas, comícios abruptos, distribuição de santinhos e até a visita dos próprios candidatos in loco à casa de moradores, lojas e por aí vai. E pensando neste todo rol de minuciosidades, se vai a pergunta: quantos destes políticos, em busca de votos, são negros?
Dentro deste instante, também há um outro vértice de particularidades do instante eleitoral que assola o país de dois em dois anos: a intensa e larga cobertura política. Análises, debates, longas reportagens, passagens ao vivo, sonoras de sabatinas breves (ou maiores) com candidatos, estão entre algumas das práticas jornalísticas mais comuns — do que muitas das vezes parece interminável — no espaço bimestral de agosto à outubro bienal. E lá se vai a mesma pergunta, desta vez com um outro agente de análise: quantos destes jornalistas ou veículos são negros e dão protagonismo a profissionais racializados?
Baseada em ambos lados, a Rede JP tenta compreender a representatividade na política. Não apenas tentar trazer respostas à ambas perguntas que encerram os parágrafos antecedentes, mas primordialmente traçar um panorama e prognóstico de quantas anda o espaço eleitoral brasileiro: em quem efetivamente o faz e quem o cobre, na mídia, e o seu futuro.
O assunto, como qualquer outro envolvente à política, envolve muitas análises, pesquisas e opiniões aprofundadas de especialistas no tema há algum tempo. Recentemente, ele foi puxado por um relatório feito na pesquisa “As chances de ser eleito: branquitude e representação política”, feita pelo Observatório da Branquitude. Nela, que pode ser lida integralmente aqui, é feita uma comparação sobre a quantidade de candidaturas negras aceitas e regulamentadas pelos partidos políticos e o montante de incentivo dado às mesmas se comparadas a de pleiteadores brancos, que inclui repasses de verbas de fundos eleitorais.
O levantamento traz alguns dados interessantes e que norteiam bastante a resposta que queremos trazer da pergunta do início da matéria. Esmerilhando-se na eleição nacional de 2022, homens brancos receberam pouco mais de 44% do orçamento dos fundos, enquanto homens e mulheres negros receberam valor inferior ao número proporcional de candidatos. 70% do percentual monetário dos partidos foram “patrocinados” em candidaturas brancas entre os anos e pleitos de 2018 e 2022.
Os dois maiores partidos do país, em representação na Câmara, PL e PT, ainda que distintos em posições ideológicas, guardam a similaridade na falta de representatividade entre os eleitos. No caso da sigla da direita, 73,74% são formados por candidatos brancos e, pela última, o percentual é semelhante, com 73,91% dos eleitos brancos. Em 25% e 23%, respectivamente, foram registrados negros.
O boletim e a discussão vêm em um momento importante na política nacional, haja vista a aprovação recente em dois turnos no Senado Federal, da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia. Ela perdoa dívidas e infrações de partidos políticos burladores de decisões do TSE por descumprimento de cotas.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) e o Fundo Partidário (FP), coletadores e distribuidores de verba promocional e de custeio para campanhas, já vêm sendo alvos de políticas importantes. A Emenda Constitucional 111 de 2021, que estabelece a contagem dobrada de votos para candidaturas de negros e mulheres para fins de distribuição dos recursos; e a Emenda Constitucional 117 de 2022, que fixa a reserva do mínimo de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas e de parcela do Fundo Partidário para campanhas de mulheres, na proporção do número de candidatadas de cada partido são amostras. Além delas, a decisão do TSE que determinou, a partir de 2022, a proporcionalidade da distribuição dos recursos e do tempo de propaganda eleitoral para candidatos negros de cada partido, também se faz presente.
Contudo, ainda há muito o que ser feito. Até mesmo com o aumento considerável de candidatos auto-declarados, as oportunidades são insuficientes. Até entre os maiores partidos com representação negra, o PCdoB e o PROS que, embora tenham a menor bancada na Câmara, apresentam mais da metade de deputados eleitos pretos e pardos, 66,67% e 66,67%, respectivamente, o número não chega nem ao contingente do espaço dos maiores, apresentados em parágrafos acima.
Além da distinção no repasse, mesmo com regulamentações mais intensas, há ainda um outro caso alarmante: todos os candidatos a deputado federal eleitos pelos partidos PSDB, PSC, Cidadania e Novo se declararam brancos. Em total de R$ 2.829.049.659 de reais em números absolutos em fundos de arrecadação, os homens brancos foram os maiores beneficiados, acessando 44% do total.
A pesquisa, por fim, retrata que a verba destinada para os grupos subrepresentados (homens e mulheres negras) é inferior ao percentual de candidatos. Homens negros somam 30,20% do total e receberam 23,42% da verba, e entre as mulheres racializadas, esses números foram 18,08% e 14,34%. O contrário acontece com os candidatos brancos – homens e mulheres — que acessaram um quantitativo maior de verba que o percentual de candidatos: os brancos eram 33,81% dos inscritos e receberam 44,05% dos fundos, e as brancas, 16,30% e 17,17%, na mesma ordem.
Representação gráfica de alguns dos dados da pesquisa citada acima. Crédito: Divulgação – Observatório da Branquitude.
O hoje e o futuro da representação política negra no Brasil
Com claro ressalte à distinção de protagonismo de candidaturas, entrevistamos a coordenadora da pesquisa e jornalista, Carol Canegal, e a também supervisora do levantamento e socióloga, Nayara Melo. Além das duas traçarem, sob um ponto de vista um tanto menos numérico e mais pessoal analítico, o impacto dos dados apresentados no levantamento, as duas, analistas políticas, fazem prognósticos, apontam caminhos de maior conquista e visibilidade destes nomes para política nacional e frisam tópicos críticos e necessários de melhor implementação para um cenário parlamentar mais igualitário.
O que levou a iniciativa de produzir a pesquisa? Ela foi divulgada próxima as eleições, mas vem ao encontro da aprovação da PEC da Anistia. Acreditam em que pontos o levantamento ajudam na compreensão dessa PEC pelas pessoas fora de um entendimento pleno sobre a política?
Carol: “O Observatório quis investigar e compreender as relações entre os quesitos raça/cor, gênero e financiamento público nas eleições de 2018 e 2022 para a Câmara de Deputados, considerando as decisões do TSE em favor da expansão da diversidade de raça e gênero. E que estabeleceram, muito especialmente, a proporcionalidade de financiamento público para candidaturas negras, além da proporcionalidade no tempo de propaganda política segundo o quantitativo dessas candidaturas. Os resultados da pesquisa visam contribuir para um debate mais amplo em torno da relevância das cotas para candidaturas políticas femininas e negras, sobretudo. Cotas estas que estão sob ameaça pela aprovação da PEC da Anistia, que fixou o teto de 30% do financiamento público para candidatos negros às vesperas das eleições municipais de 2024.”
Nayara: “A motivação de pesquisa sobre o tema, acredito eu, faz parte de um esforço que temos enquanto instituição de olhar para as instâncias públicas e analisar como a branquitude pode se acomodar nas posições de poder. Quando pensamos em um pleito eleitoral essas características se tornam ainda mais visíveis. A importância destes resultados para a população visa também o cumprimento do nosso papel enquanto sociedade civil organizada, da cobrança das instituições públicas por uma boa e correta atuação dos seus recursos. Diante disso, pluralizar os resultados, auxilia a população a se apropriar sobre trâmites, principalmente na esfera representativa.”
Olhando os dados, há claramente uma disparidade enorme entre o financiamento de candidaturas negras em relação às brancas. Para além do debate atual guiado pela aprovação da PEC, como analisam o futuro sob uma regulação mais atuante sobre isto? Como ela deve ser feita para garantir, ou tentar obter, uma maior igualdade e lisura de repasse monetário às candidaturas? Vocês sugerem ou vislumbram algum tipo de modelo ideal neste sentido?
Carol: “As medidas de cessão de financiamento em favor do aumento da representatividade negra na política precisam ser amplamente debatidas pelo Estado com participação efetiva da sociedade civil organizada, em especial dos movimentos negros, nestes diálogos. As decisões do TSE, derrubadas pela aprovação da PEC, foram passos iniciais nesse sentido, na direção da mudança na composição das assembleias legislativas no país, mudança que não acontecerá sem a destinação de verba pública e tempo de propaganda nas mídias. Porém, houve o descumprimento pela maioria dos partidos políticos que receberam, ainda, a benesse de ter essas dívidas refinanciadas.”
Nayara: “A trajetória das políticas por reparação, podem ser conquistadas degrau a degrau. A destinação de verba de 30% para mulheres e distribuição proporcional para candidatos negros e negras, não era uma política ideal, mas era uma política que abria precendente para o desenvolvimento de ações específicas sobre a formação de uma câmara mais diversa. Temos casos de sucesso como o da Argentina que reserva metade das vagas do parlamento para candidaturas femininas, o que faz uma representação equânime no quesito de gênero. Por outro lado, no Brasil, agora com a derrubada desta medida, temos um caminho de reconstrução e de um entendimento de medidas que sejam eficazes e sobretudo, possam ser fiscalizadas para sua eficiência.”
“Medidas que garantam direcionamento de recursos a candidaturas de pessoas negras seguem sendo cruciais dada a desvantagem na obtenção de recursos. Sem esquecer das mulheres negras, grupo que, segundo o levantamento que fizemos, é o que menos recebe verba quando se trata da função de deputado federal.”
Carol Canegal, jornalista e uma das coordenadoras da pesquisa. Foto: Diego Padilha
Sobre a iniciativa de pessoas negras se candidatando, acreditam que em um futuro próximo, este número aumentará e consequentemente teremos mais indivíduos racializados ocupando cargos públicos? O caminho para isso, na opinião de vocês, se dá claro, por um maior investimento, mas quais outras políticas se melhor desenvolvidas darão mais força à este resultado?
Carol: “Um dos resultados importantes do estudo frisa o impacto do financiamento nas chances de eleição de um deputado ou uma deputada. Em 2022, o financiamento aumentou em mais de 6 vezes a chance de eleição em relação a 2018. Ainda sobre a análise de chances, ser homem incrementou em 2.5 vezes a elegibilidade se comparado a uma candidata mulher. Outro ponto de destaque da pesquisa é o dado sobre a destinação de financiamento por raça/cor do candidato ou candidata eleita, indicando que pessoas brancas eleitas obtiveram mais de 70% das verbas públicas tanto em 2018 quanto em 2022.
Nesse sentido, medidas que garantam direcionamento de recursos a candidaturas de pessoas negras seguem sendo cruciais dada a desvantagem na obtenção de recursos. Sem esquecer das mulheres negras, grupo que, segundo o levantamento que fizemos, é o que menos recebe verba quando se trata da função de deputado federal. Portanto, o financiamento e a combinação entre gênero e raça consistem em eixos fundamentais se a ambição é, de fato, aumentar a diversidade racial e de gênero nas casas legislativas, sabendo que somos quase 56% da população – mulheres negras, por sua vez, representam 28% da população brasileira.”
Nayara: “A dinâmica de um aumento de candidaturas negras pode ser explicado por outras variáveis extra cálculo, com certeza políticas de incentivo reverberam nesta dinâmica, principalmente quando observamos que quando comparamos o percentual de candidatos negros entre 2018 e 2022, houve um aumento. Um fato importante para um aumento de candidaturas negras e consequentemente a eleição destas candidaturas, está alinhado também a como os partidos promovem essas candidaturas, o financiamento destinado, tempo de rádio/tv e afins. O financiamento centraliza as medidas de propulsão de candidaturas para uma possível eleição, justamente por ser através do dinheiro que é possível realizar mais exposição do candidato durante a campanha eleitoral.”
Muitos legitimam a chamada PEC da Anistia como regulamentadora de uma nova era para os partidos, que agora sim, com maior “conhecimento sobre a causa racial” terão chance nova de fazer algo igualitário sem pagar pelas dívidas e infrações do passado. Já grande parte se dizem contra a PEC da Anistia, por colocar parlamentares negros como moedas de troca para subsistência de interesses estruturais, relativizando o racismo. Como vêem essa última justificativa, em particular?
Carol: “O texto final de aprovação da PEC pelo Congresso Nacional de fato impõe barreiras aos negros, pois revoga a proporcionalidade de verba e no lugar fixa um percentual de apenas 30% dos fundos públicos a serem destinados a esses candidatos. Reduz consideravelmente as possibilidades de eleição de um parlamento diverso racialmente, atuando em benefício da supremacia de candidatos brancos.
Os partidos, à esquerda ou à direita, dão um recado explícito à sociedade: manteremos a distribuição de verba na direção do mesmo tipo de candidato, brancos, e, num só movimento, também seremos perdoados pelo descumprimento das cotas. Nesse sentido, não me parece uma tentativa de mascarar irregularidades, afinal os partidos receberam o benefício da isenção de multas por não efetuar as medidas estabelecidas pelo TSE, de modo oficial, via emenda à Carta Constitucional. Vale lembrar que o texto da PEC está sob análise do STF, que tem aberto o diálogo com a sociedade civil, em específico, movimentos negros.”
“A PEC da Anistia legitima uma impunidade de não cumprimento de medidas de diversidade, a possibilidade de uma negociação de dívidas por 15 anos acena diretamente para uma postura complacente com uma Câmara legislativa branca e masculina.”
Foto de Nayara Melo: divulgação.
Nayara: “A PEC da Anistia tem um grande potencial para subfinanciar candidaturas negras. Isso precisa ser frisado. Com o mínimo estabelecido em 30% de repasse para negros, sendo que o cenário aponta por volta de 50% das candidaturas negras, os partidos estariam desobrigados a fazer uma distribuição do financiamento proporcional. A PEC da Anistia legitima uma impunidade de não cumprimento de medidas de diversidade, a possibilidade de uma negociação de dívidas por 15 anos acena diretamente para uma postura complacente com uma Câmara legislativa branca e masculina.”
Como são pesquisadoras, é pertinente um questionamento mais amplo: quais tópicos acreditam que, recentemente, há poucas pesquisas conclusivas ou até esclarecedoras no Brasil para que se possam implementar políticas públicas e regulamentações na política? Há pesquisas, nesse caso, que gostariam de ver mais dados sobre?
Carol: “Mais do que um tema ou uma agenda em específico, gostaria de destacar a relevância da adoção da variável raça/cor no desenho e avaliação de políticas públicas em quaisquer âmbitos. Como a sociedade poderá obter informações a respeito da representatividade e de aspectos que ainda empurram grupos racializados para longe do acesso aos direitos se não tivermos, por exemplo, dados de raça/cor disponíveis pelos bancos de dados públicos?
Esta e outras pesquisas desenvolvidas no Brasil com foco na observação das desigualdades raciais no âmbito das casas legislativas, só foram viáveis a partir da luta do movimento negro junto ao TSE, que há dez anos inseriu a raça/cor nos formulários de registro de candidaturas eleitorais. E permitiu à sociedade brasileira conhecer a composição étnico-racial das bancadas, abrindo espaço para o debate em torno do grave panorama de exclusão.”
Nayara: “O Brasil tem uma grande tradição de compartilhamento de dados públicos de diferentes ordens, mérito que é reconhecido internacionalmente por isso. Contudo, a inclusão da categoria de raça/cor e o preenchimento correto desta categoria, limitam bastante algumas análises. Essas categorias são de extrema importância para identificação de desigualdades que só aparecem através de um estudo considerando raça e gênero. Neste ponto, vejo que ainda carece de áreas mais rígidas de pesquisa, a consideração destas variáveis para suas próprias análises.”
Gostaria de encerrar perguntando como e de que forma acreditam que no futuro a população civil, geral, participará na valorização de candidaturas negras e da difusão delas? Vocês acreditam que as redes sociais e um maior conhecimento das causas de grupos minorizados tornarão a candidatura e a visibilidade de negros e negras maior na política nacional ou crêem que só estruturalmente sob regulamentação, de finanças, cotas e afins, que essa mudança de disparidade diminuirá?
Carol: “A população de modo geral terá maior ou menor acesso às plataformas de candidatas negras e negros na mesma medida em que os recursos públicos angariados pelos partidos alcançarem estas candidaturas de maneira proporcional. Para a difusão de propostas políticas nas cidades e nos estados, não é possível prescindir de financiamento. Sem dinheiro não se faz campanha, não se faz conhecer uma candidata ou candidato. Essa é uma realidade intransponível seja nas redes sociais, que funcionam com tráfego pago, seja na TV, jornais ou no rádio.
Vale lembrar que, do ponto de vista histórico, são os homens brancos aqueles que, além de receberem mais verba pública dos partidos para as corridas eleitorais, acumulam capital político, a exemplo de tantas famílias políticas espalhadas pelo país. São núcleos familiares que há gerações são eleitos e reeleitos nas regiões em que se estabeleceram. Por escolha dos próprios partidos. Os sobrenomes fazem a diferença. Para que novos nomes, sobrenomes, novos corpos se façam conhecidos e reconhecidos publicamente pelos eleitores é fundamental que o Estado produza políticas de ação afirmativa para negros, mulheres, pessoas trans e mais grupos no sentido de alterar os desiquilíbrios na distribuição de poder.”
Nayara: “Observo que é um caminho duplo, apenas a visibilidade em redes sociais não formam um candidato, é imprescindível considerar as forças dos movimentos negros, movimentos sociais e de base em candidaturas alinhas com os anseios da população. Contudo, isto não se faz suficiente quando esses candidatos são eleitos, há uma necessidade de segurança parlamentar para o exercício do mandato, de direitos e acessos que sejam conferidos de maneira equânime para as candidaturas negras e femininas. Enquanto, homens brancos forem a chave de decisão e enquanto a estrutura parlamentar estiver organizada a beneficiar esses homens, ainda há muito chão pela frente para percorrer em uma câmara que seja diversa e que reflita os anseios reais da população brasileira.”
O hoje e o futuro da representação jornalística política negra no Brasil
Perante a cobertura eleitoral, também se faz presente a importância da participação negra. Não apenas no campo político, mas jornalístico no geral, a diversidade, crescente nas redações em últimos anos, é uma demanda forte tanto por parte do público, identificado com quem vê à tela da TV, no celular ou pela internet e via veículo impresso, mas pelo próprio corpo profissional, formado por diversos indivíduos racializados.
Ainda assim, representações invariavelmente acabam mínimas. E quando ocorrem, sempre vem acompanhadas de um estranhamento ou mau julgamento por parte de muitos. Exemplo crasso deste último comportamento se deu quando o jornalista Pedro Borges, do site Alma Preta, recebeu ataques racistas após sua participação no programa de debates Roda Viva, em uma sabatina política. Além disso, comentários são feitos, tanto por apoiadores inflamados de candidatos como por consumidores de notícias comuns, insuflando ataques à profissionais negros de forma ainda mais contundente nos últimos anos. Segundo dados da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ataques e assédios tanto a estes profissionais como aos demais cresceram nas eleições em percentual de 37% e 23%, respectivamente, entre 2018 e 2022.
Para isto e para também refletirmos o espaço do jornalista negro na política hoje e em um futuro próximo, conversamos com Nathália Oliveira, socióloga, co-fundadora do Iniciativa Negra e comunicadora atuante em gestão e governança pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), que analisa e sugere efeitos para a chamada política de combate às drogas feitas no molde atual do país, cuja PBPD defende uma restauração completa.
Nathália Oliveira: Foto de divulgação
Ela traçou desde pontos entre a mídia e seu papel atualmente como visões sobre o futuro da representatividade neste campo.
Nathália, começo perguntando: como você observa, em termos raciais e gerais, a cobertura política no país hoje?
R: “A cobertura política no país através dos grandes veículos de comunicação seguem sendo feitos como sempre foram feitos, seguindo padrões, em termos raciais, mas, eu percebo gradativamente um esforço por alguns programas de televisão e, principalmente veículos independentes e de mídia negra que buscam qualificar essa cobertura sob viés diversificado, atualmente.”
“A mídia tradicional precisa acelerar a formação de âncoras principais negros, para que eles possam participar no mesmo nível dos outros profissionais que não sejam negros, sendo um grande aprimoramento. Acredito que investimento interno é o que falta. Pensar nos profissionais negros à longo prazo.”
Recentemente, estamos possuindo uma grande representação e reinvindicação de profissionais negros nas coberturas eleitorais. Contudo, não é apenas ter, mas sim saber dar as condições à eles exercerem o que fazem. Quais os principais problemas que, em sua visão, a mídia tradicional, incorre neste aspecto e que precisam ser aprimoradas?
R: “Apesar da reivindicação, eu acho que a primeira coisa é ir para observar a cobertura eleitoral. Eles privilegiam os grandes âncoras, e esses grandes âncoras ainda não são de maioria negra, pelo contrário, estão muito distantes disso. Então, a mídia tradicional precisa acelerar a formação de âncoras principais negros, para que eles possam participar no mesmo nível dos outros profissionais que não sejam negros, sendo um grande aprimoramento. Acredito que investimento interno é o que falta. Pensar nos profissionais negros à longo prazo. Além disso, a cobertura midiática precisa se racializar como um todo, e não esperar que apenas só o profissional negro traga perspectivas raciais para a cobertura.”
A respeito de combate ao ódio ao profissional, tivemos recentemente um triste episódio envolvendo Pedro Borges, do Alma Preta, que sofreu racismo por parte de eleitores de um candidato ao ser selecionado para compor a entrevista ao mesmo no Roda Viva. De que forma as emissoras precisam, em sua opinião, se adaptar às coberturas e entrevistas a fim de proteger a integridade do profissional negro ao seu ver? Acredita que falta um pulso firme por parte das redações e das chefias jornalísticas ao coibir mais incisivamente ataques do tipo?
R:: “As mídias precisam ter, claro, um pulso mais firme, e não só isso, as pessoas que administram e todos os profissionais precisam ter uma leitura racializada das situações, inclusive para identificar quando esse tipo de ato acontece, não devem só ser os sujeitos negros a reconhecerem que são vítimas de racismo. Bato sempre nesta tecla, de que a mídia precisa se institucionalizar como Antirracista por completo e não depender do isolamento, tanto da iniciativa do profissional quanto de um ataque, para coibir e enfrentar.”
Acredita que outras mídias alternativas racializadas podem ganhar espaço maior, em futuro próximo, para coberturas de eleições?
R: “Acredito sim que as mídias alternativas podem ganhar um espaço maior num futuro próximo, mas infelizmente isso acaba dependendo muito mais dos esforços dessas mídias alternativas do que de fato de financiamentos e incentivos econômicos, para que desenvolvam os seus trabalhos.”
Pessoalmente, quais profissionais e veículos você mais admira neste meio? E, profissionais no tradicional?
R: “Nesse meio, eu gosto muito da Flávia Oliveira, o próprio Pedro Borges do Alma Preta, eu sou suspeita para falar. São tantos, gosto também do trabalho que a Thais desenvolve no Desenrola e Não Me Enrola. Acho também que a Maju é uma unanimidade. Com méritos. Thiago Amparo, acompanho bastante quando ele dá as entrevistas. Ele não é jornalista, mas é sempre antenado, bastante acessado como fonte e escreve regularmente na Folha de S. Paulo.”
“Vem se acentuando mais um perfil conservador que já existia no eleitoral brasileiro e que talvez não era dito de uma maneira tão amplificada como é hoje a partir das redes sociais. Acho que por parte da esquerda existe umas certa performance meio baseada em jargões, como para cumprir cotas de candidatos negros, por exemplo, mas ainda entendendo a relação racial no Brasil pouco interseccional.“
Gostaria de perguntar sobre algo mais amplo. Como e de que forma você acredita que a população civil, geral, participará na discussão política? Agora, você acredita que as pessoas estão mais politizadas que antigamente ou crê que há uma certa “performance de politização” baseada em clichês, jargões e afins? E qual papel que a comunicação e mídia tradicionais exerceram nesta atitude da sociedade civil?
R: “Ampliação dos debates políticos na internet traz a sensação de que as pessoas estão mais politizadas, porque debatem mais política já que acessam as redes. A questão é que tipo de política elas estão debatendo, a gente sabe que a expansão do debate político pelas redes sociais e aplicativos de mensagens são dominados pela ultra-direita, então isso não pode indicar um nível de politização da população. Indica um nivel de proselitismo da direita. Isso é diferente.
Vem se acentuando mais um perfil conservador que já existia no eleitoral brasileiro e que talvez não era dito de uma maneira tão amplificada como é hoje a partir das redes sociais. Acho que por parte da esquerda existe umas certa performance meio baseada em jargões, como para cumprir cotas de candidatos negros, por exemplo, mas ainda entendendo a relação racial no Brasil pouco interseccional. Aqui na cidade de São Paulo, a segurança pública, de acordo com as pesquisas de opinião, são uma das maiores preocupações da população e ainda segue-se falando sobre segurança pública com a perspectiva de aumento da polícia para gerar segurança, e menos sobre os impactos do modelo de segurança pública que nós temos, que afeta diretamente mais da metade da população, que é a população negra, que acaba sendo a mais criminalizada, a mais encarcerada, a mais presa sem provas. Se discute sobre segurança pública, mas não sobre os efeitos do atual modelo para grande parte da população.”
Com isso, qual a forma que você acredita ser a solução para tornar as pessoas mais conscientes e politizadas? Acredita que o jornalismo hoje pode ser mais colaborativo nesse objetivo ou ainda esbarra em muitos problemas para alcançá-lo?
R: “A solução para tornar as pessoas mais conscientes e politizadas, acho que em primeiro lugar é mudar a forma como se faz política, ampliar e fortalecer os espaços de participação social para além das eleições, a partir de bairros uma participação democrática e cidadã, junto aos equipamentos públicos, um processo educacional diferente, para despertar essa veia cívica. É um conjunto de coisas, então o jornalismo acaba cumprindo com lugares importantes, como a informação. Então quanto mais a gente tiver diversidade e alcance dessas opiniões diversas do jornalismo e da população, então a gente pode construir um ambiente mais politizado.”
Para encerrar, de que forma você acredita que estará a percepção da população perante a política nos próximos anos e se a comunicação, ao seu ver, se tornará mais plural e racializada na cobertura e feitura de produção jornalística?
R: “É mais difícil prever já que cada vez mais a internet vem ganhando um papel relevante nas eleições, e a cada eleição trazendo muitas novidades, então acho difícil prever mais pluralidade em um mundo que a comunicação se baseia cada vez mais na internet. Ela acaba sendo a terra de quem mais dinheiro e mais recursos para poder fazer a sua opinião alcançar. Acho que existe um esforço por parte dos profissionais, mas o capital ainda segue sendo o vencedor.”
O que fazemos e a que a esse debate nos serve?
Com a chegada de mais um período das eleições, sempre o debate da presença negra na sua cobertura e efetiva participação na esfera pública é não só analisada como milimetricamente tomada como centro de grandes discussões e opiniões. Se efetivamente o caminho para a implementação será pleno e ideal algum dia, é difícil de prever, contudo a pavimentação para isto já está sendo traçada e muito bem por determinados individuos, movimentos e dada a luz por competentes analistas.
Eles, que promovem o povo — tão famigerado e verborragicamente usado nos discursos de muitos políticos — a pensar, é o grande propulsor desse movimento de mudança à uma sociedade, a um parlamentarismo e a um jornalismo mais igualitário, justo e linear à todos os campos, profissionais. E pensando, para depois agir contra as injustiças, já vai tornando cada vez mais o mundo mais crítico, analítico e mutante. Seja na urna ou na apresentação de um telejornal. E que continuemos assim.
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