Em matéria, analisando dados e com relatos de profissionais e uma entrevista exclusiva, tentamos traçar um paralelo sobre o que motiva os jornalistas hoje e a que andas o futuro da área e da comunicação perante tais aspirações e demandas da sociedade
Poucas atividades existem há muitos anos e tiveram suas capacidades de implantação, impacto e penetração no debate público tão voláteis como o jornalismo. Dos tempos de Gutemberg até hoje, no ápice da égide das redes sociais, a profissão foi mutante, se especializou, pulverizou, fortaleceu, migrou para distintos campos, se desregularizou e por aí vai. Com tantas mudanças de perfis, espaços nos quais se opera e importância para a sociedade, sempre, vira e meia, damos às voltas com um questionamento patente: qual o futuro e o que é o panorama da profissão sob a visão de quem nela trabalha?
Isso não é simples de responder, tampouco exige uma resposta definitiva. Seria leviano se fosse assim. Mas tatear, de tempo em tempo, afirmações a cerca deste questionamento é fundamental. Por diversos motivos: mapeamento de mercado, captação de tendências e até um certo panorama amostral da profissão ter futuramente mão-de-obra regular, ou não. E por uma razão principal, olhar o jornalismo como uma atividade que preza o humano, acima de tudo, tanto na análise por parte de quem trabalha como pelo próprio profissional, que tem desejos, aspirações, motivações, conquistas como comunicador.
Baseando-se nisto, a Rede Jornalistas Pretos decidiu trazer luz sobre o tema. Não gratuitamente, claro. Isto porque, há alguns dias, foi publicado um estudo no veículo internacional Journalism Practice (acessada via login) — que mapeia, traz artigos e dados a respeito de tendências, opiniões e tópicos do jornalismo, dos consumidores noticiosos aos “newsmakers”, produtores da informação. A instituição fez uma pesquisa entre profissionais e acadêmicos sob um viés distinto, mas que conversa plenamente com o assunto desta matéria: a motivação de se fazer jornalismo ainda hoje e os desafios para obtê-la.
A íntegra do estudo, que pode ser lida aqui, analisou quais os principais atributos, segundo os jornalistas, os fazem querer e se sentirem motivados a continuar na área, sobretudo em um momento difícil, cujo êxodo de profissionais tem crescido nos últimos tempos, devido diversas razões: desde baixa remuneração até falta de espaço no mercado e acúmulo de funções originalmente não pertencentes a formação. Entre alguns dos relatos dados estão a justificativa de poder contar histórias e principalmente esclarecer fatos com precisão e aprofundamento, algo que a efemeridade imposta pelos tempos das redes sociais, acaba sacrificando.
Uma das profissionais, Regina Cabato, do The Washington Post, que respondeu e acessou em coordenação parte da pesquisa, apontou que parte da importância do jornalismo e da motivação é a criação dos profissionais por laços com um público, algo faltante por uma volatilidade das relações — dentro e fora das redes hoje. Outro tópico mencionado pela repórter é de que o jornalismo, sobretudo para iniciantes no mercado, proporciona um sentimento de credibilidade perante o debate público e as construções de pautas difundidas à ele. Em outras palavras, Cabato frisa que a prática torna o fazer comunicativo um dever de contribuição social, o que as pessoas, sobretudo jovens, almejam.
“Os jornalistas encontraram satisfação em desenvolver conexões emocionais genuínas com o seu público. Eles refletiram sobre a incrível confiança que seu público lhes concede no processo de entrevista ou de matéria — e como se sentem quando não consideram essa confiança garantida. Como disse alguém: ‘Você está me contando a história de sua vida e terá que confiar em mim de que vou acertar, que vou contá-la bem’.
O trabalho diário de notícias, lembraram a nós, jornalistas, que era a oportunidade de aprender para ganhar a vida. E o que aprenderam lembrou-lhes muitas vezes que a humanidade oferece histórias de conflito, sim, mas também histórias de perdão, gratidão, compaixão e generosidade. […] E que essencialmente o jornalismo é conexão, humanidade. […] Essa conexão com pessoas e o desejo de poder construir um debate público e trazer esses sentimentos às pessoas, principalmente quando se é jovem, idealista, é primordial para motivação. Vemos isso na pesquisa.”
Ela também frisa a importância de se ter um suporte de um efetivo ambiente de trabalho e da construção de laços entre um mesmo ambiente, seja em um espaço de redação de uma mesma organização, ou de colegas parceiros. Cabato ressalta que tal “senso de comunidade” torna a feitura jornalística mais forte, presente e vivida.
“A alegria do jornalismo não está apenas no trabalho, mas também no local de trabalho. Os jornalistas partilharam conosco a alegria da camaradagem que desfrutavam no seu local de trabalho, que lhes ofereceu apoio emocional na reportagem das histórias pesadas e ampliou a sua felicidade nas histórias leves e divertidas, além de ajudá-los a construir e evoluir matérias cada vez melhores. Lembro do caso de um jornalista esportivo, que descreveu o vínculo que compartilhava com sua equipe, dizendo: “Acho que essa é uma das coisas que torna o trabalho divertido. Discutimos sobre esportes. Estou em um grupo de bate-papo… onde estava discutindo sobre todos os tipos de esportes e estávamos apenas rindo. E isso é tudo.”
Apesar disto, Cabato também revelou desafios, como as questões de restrições do mercado de trabalho, desregulamentações e outras iniciativas que restringem o jornalismo. Contudo, a repórter se mostra otimista perante o futuro da profissão.
“Acredito que todo esse momento de pulverização servirá justamente para valorizarmos o que é o jornalismo e o bom da sua prática e de ser um jornalista. Isto fornecerá uma valorização, um momento de setback, que as pessoas pensarão: não sabemos o que é o quê nessa enxurrada de coisa. Precisamos de checagem, apuração. E acredito que esse movimento tá ressurgindo nesta década de 2020. E futuramente percebo, e venho notando, muitos profissionais retornando à profissão depois de tanto tempo afastados. Isso diz muito. É um desafio, mas estamos lidando com ele. Jornalismo tem um poder de resistência incrível.”
O Brasil e análise da motivação jornalística e os desafios para a conquista: ainda assim seguimos?
Aprofundando-se ao Brasil, de fato, mesmo com as motivações, o cenário às vezes não é tão acolhedor. Segundo dados da pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro, realizada em 2021 pela Universidade Federal de Santa Catarina e que comparava a mudança de mercado entre a década de 2010 e 2020 — espelhando-a com a primeira edição do levantamento, feito em 2012 —, houve uma queda de 60% para 45% no número de jornalistas registrados com carteira assinada entre as últimas décadas. E que correspondem 24% indivíduos freelancers, prestadores de serviços sem contrato, pessoas jurídicas e microempreendedores individuais (MEI).
O horário de trabalho fica acima das oito horas diárias para 42,2% dos jornalistas, com 3,2% afirmando trabalhar mais de 13 horas por dia. Já a remuneração mostrava que 57,9% recebiam menos de R$ 5.000 reais por mês. Para completar a cereja do bolo, 66,2% já relataram terem sentido estresse e 34% destes já obtiveram afastamento por crises de ansiedade e burnout. Ou seja, temos muitos impasses para o mercado jornalístico obter cada vez mais profissionais motivados e dedicados à prática.
Conversamos com Eugênio Augusto Brito, jornalista que tem no currículo vasta experiência em passagens e trabalhos por alguns dos principais portais e veículos nacionais, como na CNN Brasil, UOL, além do Terra, Placar, Estadão e Revista da Gol e atualmente na Canaltech Auto. Nas mais diversas editorias, de esportes à cultura. Ele reflete sobre parte desta situação e do “dilema” entre motivação x subsistência x realidade do mercado jornalístico hoje e dos cenários para o futuro.
No mais, Brito aproveitou para falar da sua história e do início como jornalista na sua época e os desafios para início hoje. A entrevista serve como um panorama histórico da distinção do início no jornalismo de antigamente para os tempos atuais, além de, claro, fornecer pano de fundo para a situação e a ótica do tema no Brasil.
Eugênio, como você iniciou no jornalismo? Qual foi o start na área no período em que você se formou e adentrou à profissão?
R: “Tenho 44 anos, então fui um adolescente do final dos anos 1990, vivi o bug do milênio (que não aconteceu e só rimos) e a bolha da internet. Essa aconteceu e motivou a mim e a 3 amigos, na época eu morava em Ribeirão Preto (SP), a criarmos um site, a fazermos parte disso. A ideia era fazer alguma coisa em que todos fossem bons. Um deles era bom de diálogo, então ficou com marketing, outro já sabia muito de programação, então cuidou da estrutura do site. Eu também arranhava programação, mas sempre gostei de fotografar. Faltava amarrar o motivo do site e acabamos concordando que poderíamos cobrir as festas que fazíamos ou curtíamos.
O ano foi 1997, a gente estava no 3ª Colegial, e para pagar a formatura vivíamos fazendo churrascos, festinhas e coisas assim, tudo com ingresso barato, mas que gerava uma renda para pagar a festa de final de ano. E começamos a fazer a propaganda dessas festas, bem como a cobertura no site. Só que isso se espalhou para sala, para escola e depois para a cidade. Quando a gente viu, muita gente falava do nosso site e até fomos dar entrevista em rádio, que depois virou uma conversa de patrocínio. O site era o Web Ribeirão, misturando a ideia de WWW (world wide web) e o nome da cidade.
No fim, a gente não tinha dinheiro, nossos pais nos emprestaram alguma coisa, a gente torrava tudo o que tinha, e começamos a ter concorrência de gente grande, tão grande que fazem festival de música até hoje. Mas ficou esse gosto bom de ter participado desse movimento global do surgimento da internet. E, quando fui escolher o curso pro vestibular, alguém disse: você é bom nisso de cobertura, isso é jornalismo. Eu sempre gostei de escrever, sempre amei livros, gostava de filmes, de narrativas, de ler e comentar HQs com amigos, de escutar muita música e ir atrás de letras e de histórias, de ver e comentar corridas de Fórmula 1, então como que uma luz se acendeu.
Fui fazer jornalismo na Cásper Líbero, voltando para São Paulo (cidade de origem da minha familia), que era uma faculdade de referência no Jornalismo nacional, mas que também tinha preços acessíveis – entrei pagando R$ 400, enquanto outras cobravam até 10 vezes mais, e ainda passei num concurso interno para estagiar na Gazeta Esportiva online, o que me deu a bolsa de estudos.”
Olhando retrospectivamente, quais, na sua opinião, eram os fatores motivadores para fazer comunicação social e jornalismo na época em que você começou e quais acreditam serem hoje. Percebe que há distinções?
R: “Fora esse desejo por comunicar e discutir coisas, tecnologias e pessoas, eu percebi que sempre busquei ler e entender autores e movimentos que buscavam uma justiça social. Eu ainda não tinha, na trajetória, a questão da negritude. Já me enxergava uma pessoa preta, mas não sabia o que isso implicava socialmente, nem que isso poderia servir de base para discussões mais amplas. Aliás, ali em 2000 quase ninguém no Brasil dava muita bola para isso, exceto, claro, nossas grandes personalidades dos movimentos negros, que são referência até hoje. Mas não havia nomes da galera, da moda, por assim dizer.
Mas saber que o jornalismo podia ser uma ferramenta para buscar um país melhor, para denunciar situações irregulares, para cobrar avanços, para poder mostrar como nosso país poderia avançar, mesmo que um pouco, me fez brilhar olhos e mente. Também tinha uma ideia de crescimento pessoal que, hoje, vejo como ilusão, mas uma ilusão desculpável para uma pessoa jovem. E até desejável: é aquela ilusão motivadora. Sonhava que poderia ir, por exemplo, à Alemanha para cobrir a Copa do Mundo de Futebol de 2006, que já estava marcada. E tracei isso como rota.
Não sabia o quão exploradora e excludente a imprensa esportiva era, àquela época, por mais paradoxal que isso seja, já que mexe com paixões e motivações básicas às pessoas. Aquela questão da pedagogia libertadora, de Paulo Freire, da participação ativa dos mais experientes ensinando quem vem não só a reproduz padrões, mas questionar a realidade, bem como a almejar algo melhor. Vejo que avançou bastante nos dias atuais, mas para mim, naquele momento, não deu: plantões intermináveis, salário ruim, propagação de estereótipos e preconceitos.
Acabei me encontrando e realizando sonho de conhecer (e desempenhar minha profissão e vocação) não só na Alemanha, mas em países de quase todos os continentes, não cobrindo Esportes, mas com Mobilidade e Tecnologia, anos depois. Na conclusão de curso (TCC), eu e 3 amigos da faculdade, escolhemos fazer um livro-reportagem retomando a tragédia da explosão do shopping center Osasco Plaza, tragédia ocorrida na Grande São Paulo, em 1997, que ainda não tinha tido uma definição na Justiça, deixando vitimas aflitas e sem auxílio, mesmo passados quase 10 anos.
Atualmente, não consigo nem mesmo enxergar o jornalismo praticado no Brasil como parceiro social. Vejo que perdemos muito dessa noção de fazer o país andar nesses quase 20 anos. Isso é uma crise que o Jornalismo enfrentou como ciência em todo mundo, mas que outros países estão dando conta de resolver. Na Europa, EUA e Japão, vemos um misto de mais formação, adoção de tecnologia, mas em prol de melhorar a vida do jornalista, e da formação de comunidades ou de veículos especializados como algumas dessas soluções, que mantém a chama da Comunicação e da visão de uma sociedade melhor acesas.
No Brasil, o misto de descaso social, de valor enorme dado a influenciadores (não acho culpa deles, mas da sociedade e de empresas, que viram nisso um filão ou uma espécie de catarse), bem como do monopólio dos meios de produção cultural e jornalística por poucos grupos (5 familias, uma elite) faz com que essas soluções globais falhem, e que o jornalismo nacional represente cada vez menos as pessoas.
O resultado é o que vimos, por exemplo, como algo alertador no curso ministrado pela UFRJ com a Rede Jornalistas Pretos: falta de profissionais negros e negras em cargos de decisão, mas também de mulheres, salários miúdos, falta de tecnologia de apoio, sociedade que nos vê como meros disseminadores de fake news, quando deveria ser o oposto. Acredito que faculdade hoje deveriam falar menos sobre o conceito de fazer só o jornalismo e mais sobre comunicar (não importa em qual meio e com qual estrutura), ter empatia com a sociedade, fazer valer a representatividade e, acima de tudo, ter ética.”
Como você analisa as distinções entre a mídia tradicional hoje e o que ela é composta com o jornalismo de redes, mais pulverizado. Muitos acreditam que a falta de regulamentação neste último segmento banalizou a atividade jornalística. Você concorda? Se sim, acredita que futuramente se investirá muito mais no jornalismo digital do que no tradicional, em TV, rádio, impresso, etc?
R: “Acredito que já respondi um pouco desta questão acima, mas sendo mais pontual: sim, falta regulamentação. E isso é um defeito não só político, de governo e congresso (de novo, dominados pela mesma elite que detém meios de produção e meios de comunicação), mas da própria classe jornalística. Temos sindicatos, temos associação nacional, mas são entidades fracas e que não conversam com o grosso da classe.
Não aceitamos ter regulamentação. Até publicitários têm um conselho que revisa e julga campanhas que acabam indo longe demais (adendo: falo da Publicidade, bem como do Marketing, sem qualquer intenção de desrespeitar a classe, apenas de um ponto de produção de ideias e produtos, considerando que estas vertentes podem e devem amplificar características, podem ser fantasias alternativas à realidade, enquanto o fazer jornalístico precisa ser mais fiel ao real, sem muito escape). Mas muitos na nossa classe acreditam estar acima do bem e do mal. Daí nosso descrédito com a sociedade, acredito.
Sobre participação de veículos, é o que vemos lá fora. A crise jornalística, bem como solução para ela, não passa por privilegiar uma mídia nova qualquer em detrimento da antiga. Passa isso sim, pela valorização de profissionais, pelo bom uso tecnológico e pelo respeito às pessoas como um todo, dentro e fora da organização. Tanto que vemos jornais clássicos, como The Guardian (Inglaterra), NYT e Washington Posto (EUA), redes como Deustche Welle (Alemanha), El País (Espanha), entre outras, muito antigas, fazendo um jornalismo contemporâneo de qualidade. Fenomenal.
Mas também vemos serviços de streaming apostando pesado em documentários e podcasts, que são novos filões para comunicarmos. Vemos Spotify, Netflix, Disney/Hulu, Discovery, YouTube/Google, Meta dando alternativas, ainda não muito bem entendidas, mas com investimento gigante. Há até mesmo investimento em dinheiro e em equipamentos dessas gigantes também para fomentar grupos jornalísticos pequenos, a midia independente, que tem como cerne essa aproximação natural com grupos sociais, com realidades que grandes veículos de mídia acabam deixando passar.
No país, a meu ver, ainda não se enxerga isso, a ponto de veículos independentes serem tratados como de segundo classe (não em estrutura, mas em qualidade de conteúdo), o que é uma bizarrice, enquanto veículos tradicionais, mesmo pisando na bola geral em termos de seguir leis, regras e no retrato dos anseios da sociedade, ainda terem um predomínio de verbas e de buscas.”
Foto de Eugênio; Créditos: Divulgação.
Entre jornalistas mais velhos e mais novos, quais você percebe que são as principais distinções na feitura de fazer jornalismo entre eles?
R: “Acho que, quando se está preocupado mesmo com rumos da Comunicação e com a importância ética do Jornalismo, mesmo que com diferenças de repertório e do uso de tecnologias mais atuais, não há diferenças entre jornalistas mais velhos ou mais novos. De novo, é uma questão de qualidade ética, não de etarismo.
Bons profissionais vão sempre estar preocupados em ir atrás dos fatos, não em ficar sentado esperando a informação chegar. Em serem agentes de um bem-estar social, de um avanço coletivo, não do conservadorismo ou de vantagem pessoal. E, com isso, não importa se é com telefone fixo ou smartphone, se é com câmera de 3 kg ou com óculos que grava imagens, se é com gravador de mesa, microfone pendurado e estúdio de rádio, ou se é com gravador de voz do celular, Audacity e um podcast distribuído na base do Whatsapp.
Uma jornalista veterana, por quem desenvolvi muito respeito, quando eu estagiava no Estadão, me disse uma coisa que nunca esqueci: ‘seja com bloquinho, seja com gravador digital (o ano era 2004), o que vale é prestar atenção ao entrevistado, ao que a pessoa está dizendo. Anotar é só um complemento’.
Trago isso ainda hoje. Tenho dezenas de blocos meus usados, guardados em casa. Atualmente uso Google Keep para anotar, faço entrevistas à distância gravando no Meet ou no Zoom e, pessoalmente, no gravador de voz do celular. É possível até mesmo usar recursos de IA generativa para ajudar com tópicos e resumos ilustrativos de entrevistas (nada de substituir nossa função, mas auxiliar na organização de ideias). Mas o fundamental é ouvir o que a pessoa entrevistada quer passar. E prestar atenção nas atitudes dela, no corporal.”
Em sua opinião, qual deve ser o grande norteador à um profissional no jornalismo? E o que mais você gosta em sua área?
R: “O que mais gosto é a possibilidade de (claro, estando aberto a isso) falar com alguém na periferia, com um executivo de multinacional ou até com presidente da República e dar a mesma atenção, com o devido espaço a qualquer história relevante que surja desses encontros. Ver, ouvir e trazer histórias. De conseguir enxergar e trazer, também, informações relevantes, saborosas e reais de todas essas oportunidades. Porque elas existem em qualquer um desses cenários.
A forma, no meu entendimento, mais correta de se fazer isso, de se conseguir enxergar e repassar isso é tendo respeito, tanto a pessoas, quanto com a lei, e com ética. E respeito também, consigo próprio, algo que muitos não falam. O segredo para uma bom trabalho é estando sempre muito bem descansado.”
Atualmente há muito a pulverização de informações, muitas delas, claro, falsas ou travestidas de informação mas que escondem discurso de ódio e interesses escusos favoráveis à não-democracia. Acredita que futuramente, com cada vez mais as redes sociais patentes nas vidas das pessoas, o jornalismo se tornará uma atividade cada vez mais de importância e de seriedade a quem almeja exercê-la? Como você enxerga essa movimentação, um tanto paradoxal — já que em uma era com tanta enxurrada de infos as pessoas cada vez andam mais desinformadas?
“Enxergo tecnologias como ferramentas, não como androides do Exterminador do Futuro. A grande questão sempre foi definir como profissionais utilizam diferentes meios, mídias. E qual acesso da audiência a essas mídias. Má informação e disseminação de mentiras infelizmente sempre existiram, seja com prensa tipográfica, com sinal de rádio, com telex, sites ou com pouco mais de 100 caracteres.
Em diferentes épocas se travou uma luta pelo controle de informação, pelo registro do vencedor contra a visão do oprimido e pela prevalência de um senso comum, que por vezes é enganoso. E isso permanece. Por um lado temos essa impressão de enxurrada de fake news e desinformação, com organizações e atores que se misturam com chefia de redes sociais ou mesmo com poder de manipular de postagens no Instagram a campanhas políticas. Isso é real, como vimos na Rússia de Putin, na Inglaterra de Boris Johnson e Brexit, nos EUA de Donald Trump, ou aqui no Brasil com Bolsonaro e extrema direita.
Mas também temos exemplos excepcionais, positivos, como o da iniciativa Lupa, projeto Comprova e tantos outros de checagem de fatos. Veja o exemplo, lá dos EUA, do debate entre Trump e Kamala Harris, com checagem de palavras quase que instantâneamente, para evitar que mentiras fossem encaradas como verdade por milhões de espectadores em todo o mundo. Isso deve ser um exemplo.”
Quais principais conselhos você dá a quem pretende cursar a área. E quais conselhos você dá aos veículos hoje? Pergunto esta última pois também se discute o papel que eles exercem hoje e que muitas vezes intensifica a desigualdade na comunicação, falta de representatividade e afins, logo o que você enxerga que falta os veículos jornalísticos e comunicativos se aprimorarem?
“Eu já fui voluntário algumas vezes para auxiliar no vestibular lá da Cásper Líbero, onde me formei. Também já falei sobre a profissão de jornalista com turmas de ensino médio de colégios aqui em SP. Uma coisa que acho que vale ainda hoje, apesar da menor influência de TV Globo e cia: não mire só em William Bonner, não mire em Fátima Bernardes, não mire na Paloma Tocci, não mire em Tiago Leifert. Celebridade de certa forma são essas pessoas, o jornalismo ainda é feito por uma massa de operários da notícia. O piso é baixo, o trabalho está sempre na lista das profissões mais estressantes do país segundo MTb ou entidades similares.
Então faça porque você acha que pode contribuir, faça porque gosta de comunicar, não para se tornar um ícone. E estude muito. Constantemente. Para as empresas, o principal é: “tenham respeito pelos seus profissionais. Mude escalas. Valorizem treinamentos, cursos, revise e renovem equipamentos. Respeitem leis e os sindicatos.
Mas, no geral, seria bom que mudássemos todos diversas culturas: da audiência, do ‘Ibope’ na TV, do Analytics na internet. Claro que as bases são importantes e índices são fundamentais, até para sabermos o que o público gostaria de saber. Mas deveria ser balizador, não o produto final. O que se tem de mais danoso na produção atual é que ela serve para alimentar planilhas de audiência e métricas, não para ajudar, informar, ensinar, fomentar debate e comover as pessoas.”
Daqui há 10 anos ou em um futuro, como você acredita que estará o jornalismo? Tanto na valorização da sociedade quanto de quem o faz?
R: “Admito que eu não sei, mas a ideia é que estejamos, eu incluso, comunicando melhor, com mais recursos para atrair e motivar o público, com melhores formas de transmitir a mensagem. Acho que podemos conseguir isso. E, se tudo der certo, com prazer e boa remuneração envolvidos.
Criar ou traçar uma resposta definitiva nunca é fácil para um tema tão complexo que envolve se a motivação para fazer jornalismo é intensa, justificada ou se o mercado futuramente ou hoje é receptivo à ela e se será. Contudo, é inegável que tal assunto, apesar de tudo, sempre é um ótimo tópico para discussão, análise e sobretudo pensamento. Não importa o que ele mostre, sempre reflete o desejo, vividez e alcance dos seus tempos. Profissional e humanamente.
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