É inegável que a comunicação sobre direitos da população racializada perpassa uma função que diz respeito direto ao interesse público. E mais cabal, que muitos indivíduos negros e não-branco tiveram consciência de direitos que acreditavam não ter ou sequer conheciam. Toda a população tem mérito nesse despertar: de nós jornalistas e profissionais de mídia até influenciadores, seja nos quatro cantos da tela de um smartphone, no boca a boca das ruas ou através das ondas de rádio ou do sinal de uma televisão.
Contudo, há diversas arestas nesse entendimento. Com ele, toda a população aprende o que é racismo, suas causas e do quão intrínseco ele opera nas personalidades mais atuantes? E, estruturalmente, a compreensão é suficiente para tornar um mundo racialmente mais igualitário?
Baseando-se nisso, a Rede JP resolveu analisar alguns dados recentes e trazer breves relatos sobre especialistas no tema da justiça social negra e seu impacto na comunidade e comunicação. O ponto chave desta imersão ao tema foi catapultado por dados recentes divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Eles, coletados em um período de três anos — 2020 à 2023 — mostra-nos números importantes. Uma alta de 610% no número de processos por injúria racial em todo o território nacional é o primordial deles. Esmerilhando-se neste tópico, o aumento se torna mais crucial pois foi puxado principalmente por registros no estado da Bahia, de maior concentração de pessoas negras em relação aos demais estados do país. Para-se ter uma ideia, em 2020 foram registradas 675 ações, enquanto em 2023, 4.798 casos computadorizados. Do total deste último ano, 4049 se deram em solos baianos.
O sociólogo Thales Vieira analisou positivamente a iniciativa por parte da população, mas revelou que a despeito de uma movimentação legítima acontecer, há um “bloqueio sistêmico” por parte do Estado que legitima o racismo e silencia estas investidas da sociedade civil racializada na busca por seus direitos e por uma dignidade que não os fira. Resumidamente, a fala de Vieira: “Há um movimento de expansão de consciência geral para as violências vivenciadas diariamente e que antes eram consideradas comuns ou como brincadeiras, mas o atendimento a essas demandas pelos Poderes, em especial o Judiciário, se dá como uma expressão do pacto da branquitude que, subjetivamente, define quem tem direito à justiça e a uma resposta para essa violência, e quem pode ficar livre de ser responsabilizado pelo crime cometido.”
Dudu Ribeiro, historiador, também trouxe um segundo prisma sobre o aumento das denúncias. Embora também tenha elogiado e observado com bons olhares a iniciativa, o especialista revela que a resistência não pode ser sinônimo da ausência total do racismo. Amalgando-se a afirmação, Ribeiro frisou como é um “erro crasso” achar que a população geral, infelizmente, é mais antirracista. A despeito do debate ter avançado, ele relata a necessidade de cautela e, sobretudo, crença em formar uma sociedade justa racialmente, como norteadores acima de tudo no mundo ou meio que vivemos, em qualquer época, tempo, circunstância ou local.
Ele diz:
“O estado da Bahia majoritariamente negro, não está a salvo da máquina opressora do racismo e da impunidade, pelo contrário. E nenhum está. E achar que um despertar pessoal a respeito da temática significa uma sociedade mais antirracista é impreciso. O caminho se dá por aí, mas até chegar a esse combate estruturalmente falta um tempo, um sistema que corrobore. A letalidade policial, sendo a maioria das vítimas pessoas negras e periféricas e o encarceramento em massa da juventude negra, entre outras violações de direitos, assim como o crime de injúria racial, continuam acontecendo. O que temos de fazer é se levantar contra isso sem necessariamente esperar os dados. A qualquer hora, momento, instante e na vida.”
A importância se estende, indubitavelmente, aos meios de comunicação. Impossível não colocar a par a mídia como veículo de implantação de uma sociedade um tanto mais justa racialmente. Em tempos atuais, onde muito se fala sobre respostas imediatas e sucintas, temos de analisar o balanço entre o maior conhecimento da população negra sobre estes direitos com a luta ainda constante vir de uma premissa básica: a construção do direito de se permitir questionar, compreender e combater injustiças. Sem esperar que elas aconteçam.
Uma injustiça só se corrobora estruturalmente quando ela está corrente. E enquanto isso acontece, o apontar para que outras não se repitam é inegociável. Como jornalistas, como profissionais da comunicação, se cercar em espaços e perceber os mínimos espaços nos quais ela sorrateiramente se instaura, no corpo profissional, nas pautas das redações e nos personagens das matérias, é impedir que fluxo. E esse poder de percepção é o poder de questionar. O poder de obter respostas e assim, mudar.
O processo de uma mudança não é rápido, imediato, simples e reducionista, como as redes hoje dizem ser aos seus usuários em tudo. Mas sim extenso, profundo, inclemente e complexo. Mas jamais, nunca, impossível. Enquanto tivermos cada um de nós, há a chance de questionar, de ter essas respostas e fazer mudar. Aos poucos, a comunicação e a todos nós vamos nos tornando um lugar verdadeiramente justo. Com muita luta, mas com pequenas vitórias por rounds. Lugar justo social, racial e humanamente.
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