Foto: Kelvyn Araujo.
No encontro promovido nesta última sexta (21), a acadêmica mostrou a importância e características do processo comunicativo digitalizado e meandros para torná-lo disruptivo e plural se furtando de exemplos mais ‘humanos’ e não tanto focados em linguagens academicistas
Poucos assuntos possuem tanta abrangência em debate público atual como as redes sociais e a forma que as pessoas tendem a se policiar em como usá-las, suas funções, a quem elas acabam endossando, etc. Correlato a todas estas questões, se fazem presente estratégias que muitos procuram compreender, ou obter efetivamente, para criar uma relevância digital. Relevância essa que pode resultar em uma inserção no debate público ou retorno financeiro, seja a médio ou a curtíssimo prazo — dependendo do quanto seu conteúdo “viralizar”.
Baseado nesse constante debate, o curso “Diversidade, Inclusão e Novos Formatos no Jornalismo Pós-Digital”, promovido pela Rede Jornalistas Pretos com a escola de comunicação da UFRJ, recebeu nesta sexta-feira (12), Rejane Romano. Ela comandou um encontro que versava sobre um tópico instantaneamente oriundo na temática: estratégias de comunicação em redes sociais com ênfase em diversidade.
Discutindo a importância de abordar a diversidade de forma inclusiva e autêntica nas redes e mesclando elementos mais técnicos da criação de conteúdo no meio digital, Rejane, diretora de Comunicação, PR, Digital e Social no Publicis Groupe Brasil e atuante na área de Liderança e Inclusão na organização e para outras, conduziu o assunto sob uma perspectiva única. A despeito do tópico ter sido tocado em distintas aulas anteriores de forma rudimentar, a especialista teve um trunfo de manter a explicação mais aprofundada e teórica mas o correlacionando com suas experiências pessoais, visões de mundo e cases que enfrentou.
Tal angulação deu ao encontro uma característica ao mesmo tempo acadêmica e intimista sobre o que foi tratado e a maneira na qual foi tratado. “Vamos fazer como se fosse um certo papo no boteco”, frisou Rejane em tom de piada logo após o introdutório da aula. Ainda que, obviamente, se tratasse de uma piada, tudo foi passado com a fluidez exatamente paralela ao que ela propôs, de um papo direto ao telespectador e aos presentes no prédio de Produção Multimídia do campus da UFRJ na Praia Vermelha.
Rejane [à direita] se apresentando ao lado de Marcelle Chagas, coordenadora da iniciativa e curso. Foto: Kelvyn Araujo.
Construção da trajetória até às ligações referenciais ao mundo do conteúdo nas redes
Rejane começou a aula traçando aos alunos um pouco de sua vida para paulatinamente entrar no ramo da diversidade e a construção da identidade. A despeito de parecer um tanto desconexo para os que não tenham acompanhado o encontro, o crescendo em torno de sua vida, origens, referências teóricas até o primeiro assunto tratado, a implementação da dualidade identitária dentro da diversificação, sobretudo no meio digital, foi óbvia. A pesquisadora por meio de suas características pessoais apresentava o seu eu e assim, a construção de um próprio significado e conteúdo teórico, intelectual, pessoal, perante à sociedade que vive.
A forma foi feita sob um viés contrário, talvez intencional, no qual Rejane exemplificava antes de propriamente mostrar a teoria. Vários instantes da aula tiveram esta característica. Citando trabalhos do teórico Frantz Fanon, ela ressalta como a construção — e afirmação — das nossas identidades, próprias e dissidentes de uma norma pré-estabelecida vista como válida, aceitável ou moralmente padrão social, nas mais diversas instâncias, solidificam o gigantismo da diversidade. Sobretudo quando se é preto.
“Como Frantz Fanon disse, de que a opressão, ela domina o oprimido com ele não se enxergando como válido, uma peça relevante social. […] A partir do momento que se estabelece uma solidificação das nossas identidades, principalmente como corpos femininos, negros, a diversidade se torna intrínseca e parte de um sistema. Por isso são duas coisas proporcionais. No debate e construção de conteúdos isso se dá na mesma forma. […] Reconhecer a força da identidade e principalmente de como a sociedade as encara e resguardá-las mesmo assim como corpos, vidas, seres válidos e importantes é colaborar e ser braço de uma diversidade.”
Rejane ao lado de Stefanie Gomes [esquerda], tradutora de libras. Foto: Kelvyn Araujo
Em seguida, ao ressaltar seu trabalho paralelo como presidente da escola de samba Filhos do Zaire, Rejane salientou como as distinções se dão até mesmo em ambientes próprios da profissão dela na agremiação para com outras e do quanto ela aprendeu percebendo tais nuances de perto. Puxando gancho, a pesquisadora mostrou o trabalho de uma de suas declaradas inspirações, a teórica, escritora e ativista Chimamanda Ngozi Adichie. Especificamente, ela escolheu o livro “O Perigo de uma História Única”, publicado em 2019 e que ia ao encontro do que a palestrante se propunha a debater.
Mostrando em seguida um vídeo da ativista ao ser entrevistada no programa Roda Viva, da TV Cultura, Rejane frisou como o livro, até pelo seu próprio título, era um símbolo de como o ativismo negro enxergava como houve, segundo ela, um “roubo das representações de identidades na sociedade” em prol de uma história única. Essa história é guiada sob a égide de que a noção de povo, isto amalgado à distintos grupos sociais cada, apenas possui uma vida, história única, o que reforça estereótipos e exaure suas identidades.
“Nesse livro é importante a gente pensar sobre como foi construído que estivéssemos sob uma história única social. Na qual apenas um é o salvador, importante e exemplo, enquanto os outros são sempre ou sub-postos ou até mesmo estereotipados. E como a relação de história única é ligada diretamente a noção construída de ‘hierarquia’ social, esses estereótipos são sempre a grupos marginalizados e nunca favoráveis. Como a África por exemplo, vemos como sempre exemplo de miséria e fome. A construção de ‘suspeitos’ pela polícia, pelo Estado, é a mesma coisa. Uma coisa importante é que ao mesmo tempo que há essa história única ela ressalta sim até a diferença, mas sob o viés hierárquico e de opressão. Do eu vs. você, e não do eu posso ser e devo ter as mesmas condições de você. Daí parte também um ponto interessante falado.”
Planos de comunicação e diversidade nas redes e alertas
Em outro instante da aula, Rejane aproveitou para esmerilhar-se mais à fundo nas métricas e criação de conteúdo nas redes. Pautando se no campo da diversidade, a especialista elencou quatro elementos chave que, em sua experiência e visão, devem ser considerados tanto pelos chamados influencers quanto pelas organizações e empresas de agenciamento. Além da identidade, citada anteriormente, estão: estratégia, ação e mensuração.
Enquanto os primeiros dois, de acordo com Rejane formam a base da produção do conteúdo e a divulgação dele, analisando pontos de melhora e sobretudo de impacto em temas abordados, a pesquisadora afirma a mensuração como um dos pontos chaves do processo, mas que nem sempre é lembrado como tal. Dentre as características deste elemento, ela afirma que o principal problema é o que chama de “balança desequilibrada” entre um conteúdo de qualidade e quantidade relevante de consumidores e que a mensuração — que propriamente dita a rota e os caminhos do conteúdo produzido — nunca é propriamente seguida ou analisada pelos criadores de conteúdo digital.
Um dos exemplos citados pela pesquisadora foi no caso George Floyd, na qual diversas páginas e influencers postaram fotos de fundo preto, em uma iniciativa chamada “blackout”, supostamente como protesto ao racismo. Embora tenha tido alcance enorme, Rejane havia notado à época, quando trabalhando na área de marketing de uma organização, como a prática embora viralizada pouco agregava na discussão efetiva da temática e que indiretamente a simplificava. Ela cita como um “espanto” a reação dos seus colegas de equipe, já que a trend era comumente usada por distintas marcas, mas a partir de alguns dias depois com instituições de militância negra fortemente criticarem o ato, com argumentos similares ao de Rejane, todos acabaram voltando atrás na visão.
“Leitura da mensuração é justamente analisar de que forma o que você produz vai ter relevância de métrica mas ao mesmo tempo te torna não uma peça de uma engrenagem artificial que segue uma moda para estar ‘viralizado’, mas que pouco agrega à qualidade do que você faz. Que muitas das vezes está atrelado à construção da sua identidade digital e como persona, enfim. Por isso o quali-quanti é uma balança que deve sempre ser considerada. […] Quando percebi que era um problema aquilo, na hora todo mundo se chocou: ‘Como assim não vamos fazer?’, expliquei os motivos, e o pessoal ainda assim ficou ‘encabulado’. […] Quando logo depois veio todas as organizações e criadores mostrando o quão absurda era aquela iniciativa e as marcas começaram a voltar atrás viram tudo como realmente era.”
Ela complementa dizendo que, infelizmente, o que faz as pessoas também enxergarem essa outra percepção é muitas das vezes o fato deste outro lado argumentativo viralizar e não por propriamente acreditarem no mesmo. Ainda assim, Rejane faz questão de pontuar que são mais raros os casos nos quais esta perspectiva humanizada, sobretudo em casos de racismo, ganham respaldo grande do público.
“E também há uma coisa, o contraponto também abriu a cabeça das pessoas, claro, mas se ele não tivesse também tido uma repercussão relevante as empresas e influenciadores teriam recalculado a rota? Provavelmente não. […] Então isso entra em um outro caso, de humanização do conteúdo. Ela tá diretamente ligada à identidade, pois é o que você é, sua autenticidade, o que você quer passar. […] Digo que em uma sociedade racializada, é mais que uma meta um conteúdo ser feito assim pois esses contrapontos à invisibilização do que somos nem sempre ganham respaldo grande. Quase nunca na verdade, em larga escala. Então ter, criar esse papel é sempre necessário, independente de alcance.”
Em seguida, Rejane mostra a importância de se criar equipes diversificadas nos ambientes de comunicação nas grandes empresas justamente para manter a tal balança “quali-quanti” equilibrada. Ela ressalta, contudo, a enorme demanda, infelizmente abrangente, do chamado “diversitywashing”, termo designado para companhias que performam diversidade mas não efetivamente a praticam. Isso é salientado pela especialista em um exemplo bastante corriqueiro: a forte presença de pessoas negras em um corpo de funcionários, mas sempre em posições hierarquicamente inferiores e sem nenhuma chance de ascender na organização.
Outro ponto crucial tocado por Rejane é como tais organizações muitas das vezes estão presentes como patrocinadoras ou co-coordenadoras de iniciativas antirracistas, mas que pouco praticam o que dizem pregar. E de que, ao reproduzirem isso, ficam latentes as faltas de uma comunicação interna e marketing racializado dentro das empresas. Ou ao menos que determinados indivíduos não têm o mesmo poder de fala que outros superiores ou colegas de equipe, majoritariamente brancos.
Ela ressalta a importância de não apenas políticas de ESG serem implementadas, mas sim efetivas mudanças de estrutura serem acordadas pelas organizações. Rejane pontua que a desvinculação de normas pré-concebidas é o grande elemento que deve pontuar essas relações de trabalho, que silenciam a presença de pessoas negras na equipe, transpostas numericamente para compor a ideia de protagonismo racializado, que efetivamente inexiste.
Rejane em outro momento do encontro. Foto: Kelvyn Araujo.
Iniciativas próprias e o poder de ser único: primordial na feitura da comunicação
Já perto do fim da aula, a especialista mostrou algumas das suas iniciativas no campo do marketing e comunicação das quais ela mais se orgulhou. Em vez de a primeira vista parecer um momento de autopromoção, Rejane conduziu tais objetivos que ela tinha perante as atividades com dicas nas quais considerava primordiais para construir uma comunicação racializada efetiva: pesquisa e solidificação de repertórios para suas atividades; construção de espaços de protagonismo e debates; e não seguir modismos.
Sobre esta última, a convidada aproveitou para mostrar suas atividades na universidade Zumbi dos Palmares pelas redes sociais se valendo da perspectiva de uma aluna, negra, em seus primeiros dias dentro de um curso de trancista promovido pela instituição. Com o vídeo, extremamente pessoal, Rejane teve a ideia de colocá-lo nas redes sociais da própria faculdade e curso, afim de mostrar a comunicação não apenas sob uma ótica racializada, mas imersiva sobre o dia a dia dos alunos, que fatalmente teriam maior identificação com tal estilo de conteúdo que os “tradicionais”, geralmente mais formais. O resultado não podia ser melhor: o trabalho viralizou nas redes e aumentou consideravelmente a publicidade tanto do curso quanto da instituição.
Outra conquista que ela mantém como ponto chave, ao ressaltar a importância da construção de espaços de protagonismo na comunicação e no meio digital, foi a implementação de uma campanha promocional da rede de pizzarias Pizza Hut, na qual ela sugeriu a escalação do humorista Paulo Vieira como garoto-propaganda. À época, ela descreveu a ideia como “um tanto arriscada”, já que embora com trajetória, ele não era ainda tão conhecido como hoje. A equipe acabou topando e a decisão, além de ter mostrado uma pluralidade imagética no marketing visual da rede, mudou a vida do próprio, como ela conta.
“Fizemos essa campanha e quando já implementamos vimos a grande coisa que era. O Paulo também notou isso. […] Ele mesmo falava: ‘Um cara preto e gordo fazendo campanha de uma rede de pizzaria grande. Que coisa!’. E era um passo único para a própria empresa, permitimos uma diversificação de protagonismo. Racial e de corpo. E ele até hoje me fala o quanto aquela campanha mudou a vida dele. […] Ele credita e vira meia me diz: ‘Aquilo me abriu para o mercado publicitário. Antes até então eu não existia pra toda uma massa’. Foi meio que um divisor de águas.”
Considerações gerais
Ela complementou o pensamento, o ligando à redes no mundo de hoje e na criação de conteúdo logo depois e brevemente entre a seção de perguntas e respostas.
“E na verdade usar a comunicação para dar espaço a novas narrativas, protagonismos e fugir de modismos é o fundamental. Eu mostrei à vocês [Rejane se refere a alguns exemplos de casos de usurpação de ideias de pessoas negras e um caso de racismo praticado por uma rede de supermercados, no qual um cliente foi morto por seguranças] esses casos também, contextualizando, para que sempre se tenha essa noção de não seguir um modismo dominante. Aquilo da história única. Que é o que se atrela com a identidade nossa nas redes e dar luz a outras identidades com o espaço que temos. […] Sempre pensar fora do que esperam que a gente pense e criar um senso ideológico fora do que é imposto é uma coisa crucial, e meio que tudo é intrínseco, repararam? […] Então do que adianta solidificarmos um espaço que mantém sempre os mesmos tipos, pensamentos e afins. Para nós não vai ter vez e mesmo se houvesse a que custo teria a outras pessoas, vidas?”
Contando com forte elogio nas redes e exímia presença dos convidados, que perguntaram e fizeram diversos apontamentos ao longo da participativa aula, o encontro teve sua força justamente na forma intrínseca e fluida na qual trouxe o campo de teorias sobre diversidade nas redes com a experiência de Rejane, que conduziu um debate de suma importância nos dias de hoje.
Próxima aula
No próximo dia 28 de junho, o curso receberá a professora americana Sara Lomax Reese, co-fundadora e presidente desta última instituição, ministrará uma aula presencial sobre disseminação e sustentabilidade de conteúdo diversificado no meio comunicativo. O evento, como sempre, será transmitido no YouTube da Extensão UFRJ. Presencialmente, se fará no prédio do Centro de Produção Multimídia, no campus da UFRJ na Praia Vermelha.
A aula, uma oportunidade única de explorar práticas e estratégias utilizadas por organizações e criadores de conteúdo nos Estados Unidos para promover a diversidade e garantir a sustentabilidade de suas iniciativas, se iniciará às 13:30 da tarde no horário de Brasília. As vagas presenciais serão limitadas, para quem quiser se inscrever, basta o contato via e-mail da JP, disponível aqui no site.
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