Texto por Maria Eduarda Abreu e Kelvyn Araujo
O levantamento “Construindo Pontes: O Fortalecimento de Mídias Negras e Indígenas na Wikipédia” realizado pelo InternetLab investigou o uso do conteúdo de mídias negras, indígenas e periféricas brasileiras na Wikipédia Lusófona, a maior enciclopédia online gratuita e um dos sites mais acessados globalmente. Os pesquisadores exploraram duas questões fundamentais: a) Como a Wikipédia representa o conhecimento e a cultura de grupos historicamente marginalizados, como negros e indígenas; b) Quais são as vozes que apoiam essas informações e em que contexto são apresentadas. Eles realizaram levantamentos abrangentes para analisar subcategorias e termos frequentemente usados na Wikipédia, identificando sites e fontes de mídia comuns nas referências. Com base nos dados coletados, propuseram considerações importantes, destacando a necessidade de ampliar debates e reflexões sobre o uso dessas mídias como fontes em plataformas de conhecimento livre.
Stephanie Lima, Coordenadora de Pesquisa do InternetLab, destaca a importância da pesquisa para garantir a representação adequada de pessoas pretas, indígenas e periféricas/territoriais. Ela ressalta que, dada a atual conjuntura, o estudo ganha destaque ao evidenciar o papel das empresas de mídia brasileiras na representação desses grupos, consolidando-se como um elemento essencial. Stephanie enfatiza um ponto-chave da pesquisa: a conexão entre a presença e representatividade de mídias negras, indígenas e periféricas na Wikipedia, os critérios adotados pela plataforma, e sua produção de conteúdo, incluindo o jornalismo. “Frequentemente, a Wiki estabelece critérios de confiabilidade para as fontes utilizadas.
Para serem aceitas na Wiki, as fontes devem seguir determinadas regras de confiabilidade. Dentro desses critérios, existe uma relação significativa com a quantidade de produção de conteúdo jornalístico, por exemplo, por semana ou por dia, no cenário das mídias brasileiras, especialmente nas mídias negras, indígenas e periféricas. Acredito, e os dados demonstram, que uma das questões importantes para a imprensa brasileira, e em geral, seria discutir a relação de sustentabilidade. Isso envolve superar as dificuldades específicas das estruturas das mídias, especialmente as negras, indígenas e periféricas, que impactam na possibilidade de produção jornalística e investigativa dessas mídias”, destaca a coordenadora.
O Internet Lab funciona como um ponto de encontro entre acadêmicos e representantes dos setores público, privado e da sociedade civil. Seu objetivo é impulsionar projetos que enfrentem desafios na formulação de políticas públicas relacionadas a novas tecnologias, incluindo temas como privacidade, liberdade de expressão, gênero e identidade. Para a Rede JP, essa colaboração é fundamental para lidar com as desigualdades na produção midiática no Brasil. A parceria entre essas entidades destaca a importância de abordagens conjuntas para superar obstáculos e promover uma mídia mais inclusiva e representativa. A Rede JP tem desempenhado um papel fundamental na discussão sobre representatividade racial, de gênero e étnica no jornalismo brasileiro. Buscando sempre promover uma maior diversidade nas redações e, consequentemente, nas pautas e fontes presentes no dia a dia da atividade editorial, a organização participou de debates promovidos pelo InternetLab, um centro de pesquisa independente focado em direito e tecnologia, com ênfase na Internet.
Entre 2021 e 2023, o InternetLab firmou uma parceria com a Fundação Wikimedia para promover debates acerca do conhecimento online e offline das comunidades negras, indígenas e periféricas/territoriais. Juntos, organizaram um seminário com representantes desses grupos, da academia e da sociedade civil. O evento resultou em um estudo intitulado “Transformação, desafios e estratégias após 10 anos da Lei de Cotas”, que explorou a interconexão entre a internet e a equidade do conhecimento. O estudo destacou a importância de fortalecer os meios de comunicação das comunidades negras, indígenas e territoriais, pois elas desempenham um papel essencial ao disseminar, proporcionar acesso e reconhecimento ao conhecimento desses grupos, indo além dos espaços acadêmicos ou jornalísticos tradicionais. Isso se torna ainda mais relevante no contexto atual, com debates sobre desinformação, regulação de plataformas e a importância do jornalismo. A pesquisa sublinha como divulgar e ampliar a voz dessas comunidades é estratégico para fortalecê-las e empoderá-las, reconhecendo a urgência de dar visibilidade aos conhecimentos historicamente marginalizados.
Ainda ao analisar a questão da sustentabilidade do jornalismo, Stephanie considera que é fundamental reconhecer a diversidade e complexidade do ecossistema, incorporando as mídias negras, indígenas e periféricas, que enfrentam e apresentam desafios próprios. A pesquisa busca refletir sobre as disparidades na produção e acesso ao conhecimento por essa população. O objetivo foi compreender a diversidade e complexidade desse ecossistema, a fim de abordar a sustentabilidade do jornalismo. “Quando você pensa sobre isso, pode considerar a produção de acesso, de conhecimento; pode refletir sobre a informação. Pode contemplar todas as outras coisas. Portanto, acredito que um dos agentes, uma das coisas mais importantes, é colocarmos na pauta pública mesmo o debate sobre sustentabilidade no jornalismo, mas considerando todas as desigualdades, marcadores e interseccionalidades. Porque não podemos pensar no Brasil e, muito menos, em sustentabilidade e jornalismo sem abordar a questão racial, de gênero, territorial e das comunidades tradicionais”, enfatiza a coordenadora.
Análise dos dados da Wikipédia
A pesquisa analisou as citações em artigos da Wikipédia, calculando as quantidades totais para cada meio de comunicação ou subcategoria. Foram classificados desde os links de referências mais citados até as subcategorias mais utilizadas nos artigos. Aqui estão alguns resultados detalhados:
1. Os 100 links de referências mais citados
Os links de referências, que direcionam para diversas fontes online, foram alvo de contagem e classificação. A abordagem adotada focou na raiz do endereço URL, permitindo a agregação de todos os links relacionados. Os resultados foram então calculados e ranqueados, revelando as fontes mais referenciadas na plataforma.
2. As 100 subcategorias mais utilizadas pelos artigos
Assim como uma seção de referências, os artigos da Wikipédia também possuem uma seção de categorias, onde são identificadas as categorias e subcategorias que melhor descrevem o conteúdo daquele artigo. Para contabilizar as mais frequentes, todas as categorias e subcategorias identificadas foram armazenadas em uma lista única para cálculos totais e ranqueamento.
3. Demais totalizações
Os achados anteriores impulsionaram investigações adicionais, envolvendo contabilizações e buscas mais específicas. O uso do código Python e da biblioteca Pandas facilitou o manuseio dessas especificações, proporcionando uma visão mais detalhada dos dados.
4. Análises específicas
Para superar as limitações na identificação de mídias negras, indígenas e periféricas na pesquisa, os pesquisadores realizaram um levantamento de algumas dessas mídias atuantes no Brasil, explorando redes sociais e associações de jornalismo independente. Foram identificadas 21 mídias que atendiam aos critérios desejados, lideradas por pessoas negras, indígenas e periféricas. Em seguida, realizaram-se análises específicas, focando nas subcategorias dos artigos que mencionavam essas mídias. O objetivo foi compreender de forma mais detalhada o tipo de conteúdo em que essas mídias eram usadas como referência.
Resultados
Os pesquisadores iniciaram sua análise examinando os 100 links mais referenciados na Wikipédia, focando nas fontes que serviram como base para informações na plataforma. Eles descobriram que 76 dessas fontes eram estrangeiras, enquanto apenas 24 eram nacionais. Mais alarmante ainda foi a constatação de que nenhuma delas representava mídias negras, indígenas e periféricas. A desigualdade encontrada sugere uma predominância de conteúdo em língua inglesa na Wikipédia, reforçando observações anteriores sobre a predominância de conteúdo na Wikipédia em inglês em comparação com outras línguas.
A pesquisa revelou uma desigualdade significativa na representação de gênero na Wikipédia. Os resultados apontam para uma predominância cinco vezes maior de artigos sobre homens em comparação com mulheres, dentro das 100 subcategorias mais comuns na plataforma, conforme analisado pelos pesquisadores. Stephanie destaca a importância de discutir questões de gênero e sexualidade na comunidade de editores da Wikipédia. Para ela, lidar com temas relacionados à representatividade e equidade é fundamental para promover esses valores na plataforma. “Abordar a questão do gênero e da sexualidade, por exemplo, é muito importante, pois, dependendo do recorte e do viés da mídia, haverá uma desigualdade muito grande que reproduzirá as desigualdades estruturais do nosso país. Essa abordagem é fundamental para garantir uma representação mais justa e inclusiva no conteúdo da Wikipédia”, pontua.
Rede JP contribui na elaboração do plano de comunicação da SECOM
A Rede JP, integrante da Articulação pela Mídia Negra, teve papel estratégico na formulação do plano de ação da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (SECOM) para 2024. A organização atuou no desenvolvimento de diretrizes que visam promover a diversidade, a participação social e a construção de uma narrativa inclusiva. O destaque da participação da Rede JP se deu no âmbito do eixo de Advocacy e políticas públicas, no qual contribuiu significativamente para a definição de metas e objetivos relacionados à comunicação do governo brasileiro. Um dos resultados dessa colaboração foi a formulação de um plano para a contratação de consultorias especializadas em comunicação popular e periférica em 15 estados brasileiros.
Marcelle Chagas, coordenadora geral da Rede JP e responsável pelo eixo de Advocacy e políticas públicas, destacou em entrevista ao Portal dos Jornalistas a importância da comunicação no fortalecimento da democracia e na construção de uma sociedade mais justa. A Rede JP, alinhada com esses princípios, colocou-se à disposição da SECOM para contribuir na elaboração de um plano de ação eficaz, em sintonia com os valores da liberdade de expressão e da pluralidade de ideias.
A atuação da Rede JP nesse processo evidencia a importância da colaboração entre organizações da sociedade civil e órgãos governamentais para o aprimoramento das práticas de comunicação, promovendo uma sociedade mais participativa e igualitária. A expectativa é de que o plano de ação desenvolvido com essa parceria contribua significativamente para uma comunicação mais inclusiva e alinhada com os anseios da população brasileira.
“Boa parte das mídias independentes, principalmente as negras, indígenas e periféricas, que possuem recortes de gênero, são financiadas pela filtropia. Acreditamos, assim como a Rede JP, por exemplo, que isso é uma responsabilidade do Estado. A sustentabilidade do jornalismo é uma responsabilidade do Estado, visando a garantia do direito à informação e a viabilidade dessas mídias. Propor políticas públicas e promover diálogos são meios pelos quais o Estado deve cumprir essa responsabilidade”, enfatiza Stephanie Lima.
A pesquisa do InternetLab ressalta a necessidade de repensar como as referências são construídas na Wikipedia. Essa reflexão é crucial para impulsionar a adoção de ações práticas que aumentem a representação de diversas perspectivas nos veículos de comunicação. Para mais informações sobre a pesquisa, clique aqui.
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