Por: Ranieri Soares
A arte é uma forma de expressão presente em diversas culturas e grupos étnicos. Neste mês, em que se comemora o Dia da Consciência Negra, decidi refletir sobre as discussões em torno de eventos culturais de matriz africana em nossa sociedade. Grupos extremistas, especialmente no contexto evangélico, argumentam que tais eventos violam o princípio do estado laico.
No Brasil, os povos africanos foram trazidos à força e submetidos a condições desumanas. Suas manifestações culturais e religiosas foram proibidas, e muitas vezes, punidas com violência. Leis foram criadas para proibir a capoeira, o samba e as danças africanas e afro-brasileiras. Essas leis visavam controlar os povos africanos e manter o colonialismo. O objetivo era segurar o controle da branquitude e definir o que seria visto pelas pessoas, controlando assim as ideias que seriam consolidadas discursiva, cultural e socialmente.
A atriz, cantora, produtora cultural e ativista social Naiara Lira está feliz com o atual cenário cultural e social de matriz africana. “Eu penso que a gente está vivendo um momento extremamente revolucionário, uma vez que a gente está vendo na rua que a gente tem possibilidades”, celebra a artista. Em breve, ela apresentará um programa de rádio chamado “Pretinhosidade” em uma rádio pública vinculada à secretaria de cultura do Distrito Federal. O programa será focado em cultura africana e afro-brasileira. “A diversidade é um aspecto positivo que enriquece a sociedade. No entanto, é importante reconhecer que a palavra ‘diversidade’ pode ser usada para mascarar o racismo presente em sistemas que favorecem o universalismo branco”, pondera Naiara.
Debate sobre eventos religiosos: diversidade cultural versus Estado laico em pauta
Em algumas cidades brasileiras, grupos evangélicos têm pressionado lideranças políticas locais para que realizem eventos exclusivamente evangélicos, ignorando a diversidade religiosa e cultural da população. A justificativa dada é que o Estado realiza eventos de matriz africana, o que feriria o Estado laico. No entanto, o Estado laico não impede a celebração de eventos culturais que tenham raízes em tradições religiosas, desde que respeitem a diversidade e promovam a inclusão. A realização de eventos de matriz africana não é uma afronta ao estado laico, mas sim uma celebração da riqueza cultural e religiosa presente em nossa sociedade.
“Dentro dessa perspectiva, que a gente vem de ser tudo das nossas pretitudes, tudo foi negado e tudo foi vetado. Quando você vai ao terreiro, você se depara com a cultura própria, direto do terreiro, mesmo estando dentro daquele lugar que é um ambiente religioso. Lá, você terá os tambores e cânticos, que também fazem parte da nossa capoeira. Quantas vezes você não vai à capoeira e escuta a mesma música que é cantada no terreiro? É mais uma maneira de tentar negar algo que é nosso, um direito nosso. Porque se aparece alguém cantando em qualquer evento, como uma Romaria, por exemplo, que é uma música que faz referência à Nossa Senhora, mas Elis Regina gravou, então, mesmo nas coisas que não são, até no que é do estado laico, ele é tão impregnado pelo cristianismo, né? É preciso desimpregnar para conseguir equiparar com as religiões de matriz africana”, argumenta Naiara.
A falta de conhecimento, aliada ao racismo estrutural e institucional, pode levar algumas pessoas e grupos religiosos a associar erroneamente a realização dos eventos culturais de matriz africana e afro-brasileira com a própria religião em si. A discriminação e o preconceito contra as religiões de matriz africana são uma realidade no Brasil, e muitas vezes são resultado de uma falta de compreensão e conhecimento sobre essas religiões.
“A pessoa não conhece, então quando ela não tem a menor ideia, ela vai pegar o grupo do WhatsApp que vai receber e vai dizer: ‘isso aqui não é um Estado laico’. Vai reproduzir esse discurso sem ter o mínimo de noção. Nunca foi a um terreiro, não sabe como é, como é o negócio para dizer o que é laico ou não. Você não tem noção do que acontece no terreiro, você está inventando na sua cabeça porque tem ali uma batucada. Eu sou muito a favor da conversa, do diálogo. Se você não convive com uma pessoa que é diferente de você, você não tem como saber. Então, a gente precisa se misturar, conviver mesmo”, comenta.
A defesa da realização de eventos culturais de matriz africana não só respeita a diversidade religiosa como também reforça os princípios democráticos de um estado laico. Além disso, é importante combater a intolerância, o racismo religioso e o preconceito, promovendo o respeito à liberdade religiosa e cultural, construindo uma sociedade verdadeiramente plural e inclusiva.
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