Por: Ranieri Soares
Manoel Soares é um dos jornalistas mais admirados do Brasil, de acordo com o prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira, iniciativa realizada em colaboração entre Rede JP, Jornalistas&Cia, 1 Papo Reto e Neo Mondo, que visa destacar e reconhecer os profissionais e os veículos que se destacam na atividade jornalística e na luta contra o racismo. Essa eleição dos +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira faz parte dos esforços de Diversidade, Equidade e Inclusão promovidos pela Rede JP, buscando promover uma maior diversidade nas redações e, consequentemente, nas pautas e fontes presentes no dia a dia da atividade editorial.
Nesta entrevista, o jornalista, apresentador e escritor discute os desafios enfrentados pelos profissionais na migração da mídia tradicional para a internet. Ele comenta sua transição da televisão para o mundo digital e aborda a importância do papel dos comunicadores negros na promoção da diversidade e representatividade online. Depois de atuar por mais de 20 anos em televisão, o jornalista tem se dedicado ao projeto Bombou, um agregador, que leva ao público as principais notícias que repercutiram na mídia em geral, nas redes sociais e que podem impactar a sociedade.
Em sua trajetória profissional paralelamente aos trabalhos como comunicador, Manoel Soares atua como ativista social sendo o cofundador da Central Única de Favelas (CUFA), na televisão ele passou pela equipe do Jornal do Almoço entre 2002 e 2017. Ainda na Globo, integrou o Profissão Repórter de 2009 a 2016. Também foi repórter do Encontro com Fátima Bernardes a partir de 2017, e do Se Joga, em 2019. Neste mesmo ano, passou a integrar o elenco de apresentadores do É de Casa, nas manhãs de sábado da emissora. Manoel Soares permaneceu na atração até 2022, quando assumiu o Encontro ao lado de Patrícia Poeta, ocupando a vaga de Fátima Bernardes.
Abaixo, você acompanha a entrevista na íntegra.
- Manoel, podemos começar falando sobre sua transição da TV para o digital. Como tem sido essa jornada até agora?
Essa transição tem sido reveladora, pois querendo ou não, estando dentro de um veículo de comunicação de massa, você molda a sua fala para aquele cenário. Hoje eu me sinto mais livre para falar e estou redescobrindo minha comunicação e sendo diretamente influenciado pelas pessoas que me ouvem, porque eles também me trazem muita coisa bacana, muitas referências. Então, eu não só compartilho histórias inspiradoras como recebo também essas histórias das pessoas.
- Como você vê o papel dos comunicadores pretos nas mídias online em promover a diversidade e a representatividade?
Eu acho que o comunicador tem um papel fundamental, pois cria uma agenda de referências. Assim como fui muito influenciado pela Zezé Motta, pelo Mussum, pelo Oscarito, pelo Jorge Lafond, essas pessoas mesmo estando no âmbito da arte, elas eram comunicadoras, comunicavam a presença. Eu sempre parto do príncipio que o corpo negro, mesmo em silêncio, está falando muita coisa.
- Quais são os principais desafios que os comunicadores pretos enfrentam ao se estabelecerem e se destacarem nas plataformas digitais? Existem diferenças significativas em relação aos meios de comunicação tradicionais?
O principal desafio que comunicadores pretos enfrentam é manter a sua relevância, pois a importância da temática racial, daquilo que é importante para as pessoas pretas não gera engajamento e nem audiência. Então, encontrar um meio termo entre aquilo que nós acreditamos e sabemos que é essencial para a evolução dos nossos, para a nossa evolução pessoal, e aquilo que funciona dentro dessa estrutura digitalizada, que muitas vezes reproduz o mesmo modo excludente e racista das mídias tradicionais, acaba contaminando o nosso processo de criação.
Portanto penso que existem algumas decisões delicadas que os comunicadores pretos vão ter que tomar: se eles continuam no seu lugar de narrativa inserido em uma estética relevante ou se eles precisam ceder, até porque todo mundo tem família para sustentar. Quando falamos das mídias tradicionais, a diferença básica está na necessidade de convencer o chefe, um grupo de pessoas. E na mídia digital, você está em um ambiente volátil e isso é muito mais arriscado.
- Muitos comunicadores têm usado as redes sociais para abordar questões relacionadas à discriminação racial e à justiça social. Como você vê o ativismo digital desempenhando um papel nesse contexto?
O ativismo social utilizado nas redes sociais é positivo, pois populariza as narrativas. Porém, ao mesmo tempo, pode trazer um problema muito grande das pessoas negras acreditarem que só o fato de denunciarem digitalmente, resolverá o problema. A denúncia pública hoje em dia está muito banalizada, o cancelamento com as pessoas racistas, preconceituosas não está surtindo o mesmo efeito. Pelo contrário, hoje existe o marketing de ser racista, virou um posicionamento social, um posicionamento de resistência social.
Por isso, é super importante que nós compreendamos que precisamos ir sim às vias legais, nós precisamos ir até a justiça fazer denúncias formais, porque só assim vamos conseguir mudar. A denúncia digital jamais vai substituir os meios legais de luta.
- Em um ambiente digital cada vez mais polarizado, como você lida com o enfrentamento de comentários racistas ou ataques pessoais nas redes sociais? Que conselhos você daria a outros comunicadores que enfrentam situações semelhantes?
Eu acho que o racista quer a agenda do cancelamento para se promover. Ser racista hoje é um posicionamento social, um posicionamento de grupo. Essas pessoas se juntam, inclusive, para envernizar a concepção de racismo em uma lógica de meritocracia, de narrativa opinativa para que possam se blindar. Infelizmente no Brasil, a verdade não mora na razão, mas na quantidade. Então, quando há um grupo muito grande acreditando que a pessoa negra ganhar 55% a menos é algo aceitável no cenário social, passa a ser algo coerente dentro da lógica deles.
Assim, não penso que é saudável responder pessoas racistas, pois elas estão contando com a nossa resposta para que possam existir socialmente e digitalmente. Quando elas pegam muito pesado, vamos na justiça e processamos, mas não ficamos dando palco para isso.
- Por fim, quais são seus planos futuros como comunicador digital? Como você pretende continuar promovendo a diversidade e a inclusão por meio de suas plataformas online?
Em primeiro lugar cuidar da minha família, depois atender às minhas paixões profissionais que envolvem a comunicação. Hoje estou conseguindo trabalhar uma lógica de comunicação muito mais ampla do que sempre trabalhei. Por exemplo, o processo de criação cultural, de escrever livros, minisséries, músicas estão visitando o meu cotidiano, passando a se transformar em parte do meu trabalho. Lancei uma marca de roupa agora, a Mano Rei, estou fascinado com o universo de possibilidades que me aguardam e já começo a me perguntar o motivo de não ter feito isso antes na minha vida.
Unir forças para ampliar a mensagem
Há quase 200 anos, o tipógrafo Francisco de Paula Brito fundou “O Homem de Côr”, o primeiro jornal brasileiro a combater a discriminação racial. Isso aconteceu 55 anos antes da abolição da escravidão no Brasil, marcando um momento histórico na imprensa negra do país. Os comunicadores negros atuais ampliam o trabalho e a luta daqueles do passado.
Hoje, os comunicadores e comunicadoras sociais negros e negras são exemplos na promoção da diversidade racial, de gênero e no fortalecimento da democracia. A mídia negra brasileira está unida na defesa da vida da população negra e na busca por reformas no sistema político do Brasil. Esses comunicadores têm um papel muito importante nas redes sociais e em outras plataformas midiáticas.
A mídia preta empodera a comunidade negra, permitindo que ela se aproprie de suas próprias questões e supere desafios socioeconômicos, históricos e culturais essenciais para sua sobrevivência.
Quase 200 anos após o surgimento da imprensa negra no Brasil, comunicadores negros como Manoel Soares desempenham um papel crucial na luta contra o racismo e na promoção dos direitos e da liberdade de expressão. Compreender a história que os trouxe até aqui é fundamental para esses comunicadores.
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