Por: Ranieri Soares
As comunidades quilombolas usam a comunicação, sobretudo nas redes sociais, para combater o racismo e a opressão, tornando sua luta mais compreensível para um público maior. Essa comunicação ajuda a explicar as questões de direitos territoriais. “A CONAQ sempre fez comunicação. Sempre fizemos comunicação popular. No entanto, eram poucas as pessoas que tinham esse entendimento ou essa formação. Os quilombos sempre fizeram, está na nossa história, na nossa centralidade. A comunicação é uma das nossas estratégias de sobrevivência. É a nossa estratégia para combater o racismo”, explica Nathália Purificação.
A CONAQ adotou uma estratégia-chave na luta contra o racismo e a opressão: criou um coletivo de comunicação há três anos. Este grupo tem o objetivo de coletar informações sobre a mortalidade entre os quilombolas. Hoje, ele atua em quatro estados, buscando dar voz aos quilombolas e representá-los. Importante destacar que todas as pessoas envolvidas no coletivo são quilombolas.
Um fato importante que dá relevância a ação de comunicação diz respeito a morte ocorrida no dia 17 de agosto, na comunidade Quilombo Pitinga dos Palmares. Mãe Bernadete Pacífico, maior liderança quilombola do Brasil e coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), foi brutalmente assassinada, ela já havia perdido o filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo), em 2017, também vítima de um conflito de terras. O crime chama a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos quilombolas na busca pelo reconhecimento de suas vidas e territórios. Conflitos de terra são comuns, e as comunidades quilombolas têm pouca influência nas decisões políticas que afetam suas vidas.
O elevado número de assassinatos de líderes quilombolas tem causado preocupação nas comunidades quilombolas em todo o Brasil, destacando a falta de punição para os responsáveis. Nos últimos 10 anos, pelo menos 30 quilombolas foram mortos em 18 diferentes áreas, de acordo com informações da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ). A maioria das vítimas eram lideranças quilombolas, e muitos desses assassinatos ocorreram dentro das próprias comunidades, frequentemente utilizando armas de fogo. Essa violência contra os direitos humanos ocorreram nos estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Pará, Minas Gerais e Alagoas. Entre esses estados, Bahia, Maranhão e Pará se destacam como os que mais registraram essas execuções, evidenciando a violência e o alto número de assassinatos nessas regiões, com 11 casos na Bahia, 8 no Maranhão e 4 no Pará.
“Esse número de casos de agressões sempre existiu. Esse grande número sempre existiu, só que agora ele é veiculado e consegue chegar a mais pessoas que não estão dentro do círculo de discussões sobre quilombolas, territórios, direito à terra e reforma agrária”, revela Nathália Purificação, coordenadora do coletivo de comunicação da CONAQ. A organização foi criada por líderes quilombolas, existe há 27 anos e tem se destacado na luta contra o racismo.
Segundo a ONG Repórter Brasil, que se baseou em informações da CONAQ disponíveis no Observatório Quilombola da Comissão Pró-Índio de São Paulo, 77% dos locais onde quilombolas foram assassinados nos últimos dez anos não são titulados. Isso significa que a maioria dos quilombos onde ocorreram os assassinatos está esperando há anos pela confirmação oficial de sua titularidade.
Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas em 1.696 municípios: Comunidades Quilombolas se unem nas mídias sociais para resistir e combater opressões e o racismo
Segundo os dados do Censo 2022, divulgados em julho deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil possui uma população quilombola de 1.327.802 pessoas. Pela primeira vez em 150 anos de pesquisa, a população quilombola, reconhecida como parte dos povos e comunidades tradicionais, foi incluída no levantamento que retrata o perfil demográfico, geográfico e socioeconômico brasileiro.
Na apresentação da publicação “Brasil Quilombola: Quantos Somos, Onde Estamos?”, em Brasília, o presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, destacou a importância dos dados inéditos sobre a população quilombola como um passo significativo para corrigir injustiças históricas. Ele enfatizou que essas comunidades dependem das estatísticas para atender às suas necessidades, como a quantidade de escolas, postos de saúde e questões relacionadas à educação, além da titulação de terras.
O censo identificou a presença de pelo menos uma pessoa quilombola em 473.970 domicílios, distribuídos em 1.696 municípios em todo o país. O Nordeste é a região que concentra a maior parcela da população quilombola do país, representando 68,19% do total, o que equivale a 905.415 quilombolas. A Bahia lidera em número de quilombolas no Brasil, com 397.059 pessoas, seguida pelo Maranhão, que conta com 269.074 quilombolas. Juntos, os dois estados abrigam metade (50,16%) da população quilombola do país.
O levantamento ainda revelou informações importantes sobre a situação das comunidades quilombolas no Brasil, especialmente em relação às questões agrárias, de delimitações, demarcações e titulações de terras. Entre as 1.696 cidades com presença quilombola, apenas 326 têm áreas quilombolas oficialmente demarcadas. No entanto, a área que os quilombolas ocupam ainda é incerta, pois a maioria dos quilombos ainda não recebeu a regularização de terras necessária. Somente 4,3% da população quilombola vive em territórios com títulos de propriedade concedidos após processos de regularização fundiária. Os Territórios Quilombolas, devidamente delimitados por lei, são ainda escassos, acomodando apenas 203.518 pessoas, das quais 167.202 são quilombolas.
Políticas públicas para quilombolas
A análise do censo é muito importante para a criação de políticas públicas capazes de corrigir desigualdades históricas, culturais, estruturais e institucionais presentes na sociedade brasileira. A elaboração de políticas públicas específicas e eficazes para as comunidades quilombolas desempenha um papel fundamental na luta contra o racismo estrutural, sobretudo nos âmbitos fundiário e agrário. Essa abordagem se torna essencial para avançarmos na construção de um país mais justo e igualitário.
Até o momento, não existem políticas públicas efetivas para a comunidade quilombola devido à falta de conhecimento sobre sua localização. Com base nos resultados do Censo 2022, é fundamental não apenas dar visibilidade à população quilombola, mas também reconhecer a importância de criar políticas públicas desenvolvidas e adaptadas às suas necessidades.
Percepções sobre o racismo no Brasil
Uma pesquisa inédita, realizada pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) a pedido do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), revelou que 44% da população brasileira acredita que raça, cor e etnia são os principais fatores responsáveis pela geração de desigualdades no país. Além disso, mais da metade, ou seja, 51%, afirmou já ter testemunhado alguma situação de racismo.
O estudo mostrou que a maioria das pessoas concordam que o Brasil é um país racista. De acordo com o levantamento, 81% dos participantes concordam com essa afirmação. Dentre eles, 60% concordam completamente, enquanto 21% concordam em parte. É importante ressaltar que essa preocupação com o racismo é compartilhada por pessoas de diferentes grupos, como gênero, idade, escolaridade, região do país, renda familiar, religião, orientação sexual e orientação política.
Leave A Comment