Por: Ranieri Soares
De acordo com dados da última edição do relatório “Refúgio em Números”, divulgados no início do ano pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), no ano de 2022, o Brasil registrou um total de 50.355 solicitações de refúgio provenientes de 139 países. As nacionalidades que mais solicitaram refúgio foram as venezuelanas, representando 67% do total, seguidas pelas cubanas, com 10,9%, e angolanas, com 6,8%. Números da ACNUR indicam que aproximadamente 108,4 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar ao redor do mundo no final do ano passado, como consequência de perseguição, guerra, violência e violações de direitos humanos. Em relação ao reconhecimento oficial da condição de refugiado, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) concedeu tal status a 5.795 pessoas em 2022. Dentre esse grupo, 56% eram homens e 44% eram mulheres. No total, ao final de 2022, havia 65.840 pessoas reconhecidas como refugiadas pelo Brasil, um crescimento de quase 10% em relação ao ano de 2021, quando havia 60.011 pessoas nesta condição.
Claudine Shindany, jornalista da República Democrática do Congo, mora em São Paulo desde 2014. Há quase 10 anos, a jornalista foi ameaçada por coordenar um grupo de mídia que produzia uma série de reportagens sobre crianças levadas à força para integrar o Exército. Perseguida por retratar publicamente a difícil realidade das crianças congolesas, Claudine atravessou o oceano Atlântico. Ser mulher preta, congolesa e refugiada no Brasil representa uma realidade desafiadora. A jornalista enfrenta constantemente olhares curiosos e constrangidos das pessoas. “Quando você menciona ser um refugiado, percebe que as pessoas parecem constrangidas. Fico me perguntando qual é exatamente a ideia que as pessoas têm sobre o termo ‘refugiado’. Pergunto-me sobre as razões por trás desse constrangimento. No início, eu não entendia, mas hoje percebo que é simplesmente a falta de conhecimento”, comenta a jornalista.
A República Democrática do Congo ocupa uma das últimas posições no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres sem Fronteiras. O Brasil mostrou um avanço significativo, subindo 18 posições no referido ranking. No ano passado, o Brasil ocupava o 110º lugar no levantamento que avalia as condições para o exercício do jornalismo em 180 países e territórios. Em 2023, o país alcançou a 92ª posição. No entanto, é importante ressaltar que a situação ainda é considerada problemática. Apesar da queda no total de casos, o relatório divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) aponta aumento dos ataques diretos aos profissionais do jornalismo, tais como hostilizações e agressões físicas. Em 2022, o número de agressões a jornalistas e veículos de comunicação manteve-se em níveis elevados, apesar da queda registrada em comparação com o ano anterior. Foram registrados 376 casos, o que representa uma diminuição de 54 casos em relação aos 430 registrados em 2021, ano em que foi estabelecido um recorde desde o início da série histórica dos levantamentos realizados pela FENAJ.
Essa queda, por ser pequena (12,56%) , não pode ser comemorada, especialmente porque foi registrada exclusivamente nos casos de Descredibilização da imprensa e de Censura. As agressões diretas a jornalistas tiveram crescimento em todas as regiões do país, com profissionais sendo atacados cotidianamente. A Descredibilização da Imprensa foi observada em 87 casos, representando 23% do total. Em seguida, tivemos as ameaças, hostilizações e intimidações com 77 casos, o que representa 20% do total. A censura foi relatada em 59 casos, equivalendo a aproximadamente 16%. As agressões físicas foram registradas em 49 casos, correspondendo a 13%. As agressões verbais e ataques virtuais totalizaram 46 casos, o que equivale a 12%. Por fim, o impedimento no exercício profissional foi constatado em 21 casos, representando 6%.
A presidente da Fenaj, Samira de Castro, acredita que o Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas lançado pelo atual governo federal pode ser considerado uma iniciativa eficaz na monitoração, prevenção e responsabilização dos agressores. “A FENAJ liderava esse pedido a partir da observação de que o governo brasileiro deve assumir essa responsabilidade, uma vez que integra o sistema de Justiça e possui mecanismos de controle sobre os atores sociais, capazes de conter essa violência, reduzindo os riscos ou punindo os culpados”, diz Samira.
Criado em 17 de fevereiro deste ano, o Observatório Nacional da Violência aponta o caminho institucional do Estado brasileiro para tentar resguardar a liberdade de imprensa por meio do trabalho jornalístico e dos comunicadores. “A gente não quer que o Observatório seja o contador de casos, porque a FENAJ e outras entidades já fazem esse acompanhamento. O que a gente precisa é que, a partir dos dados e das denúncias que cheguem ao Observatório, seja possível criar políticas públicas que garantam a segurança dos jornalistas. Se nós conseguirmos mapear quais são as violências, quem são os agressores e onde esses agressores estão, efetivamente teremos mecanismos capazes de criar uma política pública que garanta livremente a profissão dos jornalistas”, diz a presidente da FENAJ.
Quando a casa de Claudine Shindany foi incendiada por aqueles que a perseguiam, ela demonstrou extrema coragem ao enfrentar as chamas para resgatar seus diplomas. Apesar de ter seus diplomas revalidados, a jornalista enfrenta dificuldades para trabalhar na sua área de formação. “É muita discriminação! Como uma mulher preta, eu vejo e sinto isso. Nós enfrentamos discriminação em dobro, tanto de afro-brasileiros como de pessoas xenofóbicas. Felizmente, existem pessoas boas que nos acolhem e respeitam”, desabafa a jornalista. Claudine não percebe a violência contra jornalistas no Brasil porque não está trabalhando em sua área de atuação. No entanto, ela é combativa e acredita que a violência contra jornalistas, tanto no Brasil quanto no Congo, deve ser punida de acordo com a lei. Claudine também critica a atual precarização institucional da profissão. “Hoje em dia, muitas pessoas se intitulam jornalistas ou comunicadores mesmo sem terem se formado em jornalismo ou comunicação. Isso causa problemas, pois enfraquece a profissão e contribui para a disseminação de informações mentirosas, sobretudo nas redes sociais, além de prejudicar a credibilidade do jornalismo. Acredito que essa situação dificulta o trabalho dos jornalistas profissionais, comprometendo sua ética e responsabilidade”, reflete.
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