Por: Maria Eduarda Abreu
Com os avanços das novas tecnologias, o consumo e produção de informações passam por um processo de transformação cada vez mais rápido. As mudanças ocorrem de forma quase instantânea e adaptações são feitas, inclusive no modo de trabalhar. No caso do jornalismo, a novidade que tem chamado a atenção de todos é o ChatGPT.
O modelo de IA (inteligência artificial) é projetado para responder dúvidas de forma mais completa do que os chatbot comuns. Desde dezembro do ano passado o sistema vem sendo testado por usuários do mundo todo e levantou o debate sobre o uso dessa tecnologia em algumas áreas e profissões, inclusive no jornalismo. Para além das discussões éticas, o uso do chat para produção textual sem nenhum filtro do usuário pode resultar em um texto cheio de inconsistências e reprodução de preconceitos, como xenofobia, homofobia e racismo.
Segundo Rodrigo Faustino, consultor sênior da SAP-SCM, o racismo no ambiente digital ocorre através do desenvolvimento de algoritmos que disseminam a teoria de superioridade racial, por hardwares de câmeras que não conseguem captar corretamente a pele negra em vídeo ou pela disseminação de fake news. “O ChatGPT como modelo de linguagem de inteligência AI, ainda está em desenvolvimento, portanto se quem desenvolve inserir modelos e escolhas racistas o Chat irá reproduzir esse modelo, mesmo que a empresa tenha políticas antirracistas”, explica.
Em seu artigo “Racismo digital: Como o preconceito nos algoritmos reproduz comportamentos humanos”, Faustino pontua que os algoritmos reproduzem falhas da conduta social. “A inteligência artificial, de modo geral, pode ser muito útil, mas ao passo que programamos os códigos com base em escolhas pessoais e se as pessoas envolvidas têm inclinações racistas, machistas e homofóbicas, esses comportamentos automaticamente contaminam o sistema involuntariamente. Porque a tecnologia ao contrário do que se pensa não é neutra, ela segue um padrão social e comportamental”.
Para ele, o maior perigo é que a ferramenta fique concentrada apenas nas mãos de alguns, sendo necessário promover o acesso à tecnologia, em especial, para aqueles que têm menos possibilidade de se defender de estigmas. “Crianças em escolas periféricas irão levar anos para acessar o ChatGPT, ao passo que outras, inclusive, sendo instrumentalizadas no racismo tem acesso desde sempre. Por isso, é fundamental, por exemplo, o acesso de crianças negras e periféricas não só à tecnologia, mas também ao desenvolvimento dela”, afirma Faustino.
Inconsistências e erros na plataforma
Durante um teste observamos que o sistema apresenta informações equivocadas, por exemplo, colocar Jair Bolsonaro como atual presidente do Brasil. Isso acontece porque o site só possui dados informacionais de acontecimentos até setembro de 2021, não tendo nada registrado depois disso. Contudo, atualizações e novas informações são geradas de maneira constante e adicionadas ao banco de dados do software.
Outro ponto de atenção é a identificação de gênero e raça de forma errada, trazendo personalidades brancas como negras e homens como mulheres. Na interação da Rede JP com o chat ao ser questionado sobre o maior nome do jornalismo negro no Brasil ele elencou entre os exemplos: Conceição de Evaristo que é negra, mas escritora, e Eliane Brum que é uma jornalista branca. A única jornalista negra de fato que o chat trouxe como resposta foi Glória Maria. Já quando a proposta é citar jornalistas negras no Brasil o resultado é preciso e traz 10 jornalistas, entre elas Flávia Oliveira, Luciana Barreto e Maria Júlia Coutinho.
Com relação a opiniões que dependem de uma perspectiva pessoal como questões relacionadas a aborto, religião, liberação das drogas e juízo de valor sobre líderes políticos o chat ora avisa que não pode responder, ora apresenta pontos de vista distintos e sugere que o usuário busque maiores informações a respeito para formar uma opinião.
Uso no jornalismo
O uso do ChatGPT ainda gera discussões em muitas áreas profissionais e divide opiniões. Alguns acreditam que a AI pode substituir os humanos, para outros ela depende de humanos para refinar seus processos. Enquanto isso, alguns meios de comunicação já estão testando a tecnologia para auxiliar a produção de textos publicitários e jornalísticos.
Em janeiro o Buzzfeed anunciou que irá utilizar o chat para aprimorar enquetes e personalizar conteúdos e em fevereiro o Dayly Mirror também noticiou que está realizando testes para saber como a plataforma pode ajudar na produção de notícias locais.
De acordo com o chefe-executivo do grupo responsável pelo jornal, Jim Mullen, o uso do software é visto como um apoio às equipes editoriais, assim como outras tecnologias. “Conseguimos ver potencial no uso da ferramenta no futuro para ajudar nossos jornalistas em histórias mais rotineiras, como tráfego local e clima, ou para encontrar usos criativos, fora de nossas áreas tradicionais de conteúdo”, relatou em entrevista ao Financial Times.
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