Novos olhares sobre o impacto da cobertura jornalística sobre religiões na sociedade e no enfrentamento ao racismo religioso
Por: Maria Eduarda Abreu
Os constantes ataques a terreiros que a jornalista Bianca Omi Lami acompanhou durante 2022 despertaram seu desejo de usar a comunicação como uma forma de combater a intolerância e o racismo religioso e produzir conteúdos desmistificando o culto às religiões de matriz africana. Surge desse desejo a ideia de uma agência de comunicação com pautas que valorizem as tradições, produções intelectuais e artísticas e que promovam um intercâmbio de saberes entre Povos de Terreiro do Norte e Nordeste.
Para cobrir custos com equipe e iniciar as atividades da Agência Otà de Jornalismo de Terreiro a jornalista criou uma página de financiamento online. A ideia é que a agência funcione como um jornalismo especializado com foco nos povos de terreiro, mas direcionado a qualquer leitor assim como acontece com o jornalismo voltado para o público gospel e de outras religiões.
Lami entende que a demonização da religiosidade preta, e a falta de veiculação de informação de qualidade sobre as religiões afro é uma das faces do colonialismo que o Brasil está mergulhado social e historicamente. “É nosso papel como comunicadores tirar o preto, a cultura e religiosidade preta das páginas policiais e aprofundar as pautas relacionadas à negritude e a afro-religiosidade brasileira e sua riqueza cultural, histórica, estética, religiosa. É quebrar os estereótipos, os medos e aproximar a população como um todo deste universo rico e potente”, afirma.
Foi na tentativa de escrever uma das primeiras reportagens sobre o tema, que Bianca percebeu a dificuldade em inserir a pauta nos veículos de comunicação. A denúncia era sobre o assassinato de um sacerdote em Belém do Pará. Segundo ela, a cobertura desses casos é restrita, limitada a caderno policial e sem aprofundamento dos contextos políticos, sociais e raciais que corroboram para que esses casos continuem ocorrendo.
“O único lugar onde a notícia foi veiculada foi em um programa policial, onde o apresentador afirmou que a vítima era um bandido e por isso teria morrido daquela forma. Foi preciso eu vender esta pauta para uma agência de fora do Pará (A Amazônia Real) para conseguir denunciar não só o assassinato do Sacerdote, como o ato de racismo institucional cometido por tal emissora”, conta.
Dados de intolerância e racismo religioso
O número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil cresceu 106% entre 2021 e 2022, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Sendo 583 em 2021 contra 1,2 mil em 2022. Apenas nos primeiros 20 dias de 2023 foram registradas 58 ocorrências. Embora os casos de intolerância religiosa digam respeito a discriminação, violência ou ofensa praticada contra qualquer religião, no Brasil as religiões de matriz africanas são as mais afetadas.
Os ataques geralmente começam com agressões verbais e simbólicas e podem terminar em agressões físicas e/ou destruições patrimoniais. Quanto aos agressores, em sua maioria são conhecidos (vizinhos e familiares). É o caso de Rodrigo Logum e sua família, que foram perseguidos por vizinhos durante anos após a mãe Eleonor construir um Terreiro em Hortolândia, São Paulo. O cenário começou a mudar quando a líder religiosa desenvolveu ações culturais envolvendo a população.
Rodrigo acredita que a busca de povos de terreiro por seus direitos é fundamental para que a liberdade religiosa aconteça de forma plena e segura. Para ele, uma comunicação simples e direta focada nesse público pode auxiliar no processo. “Nós temos que entender que evoluímos muito no aspecto de informação, mas ainda assim existem pessoas humildes dentro do nosso meio que não têm uma formação, alguns nem estudaram. Então eu acho que tem que ter um veículo de comunicação sim, mas voltado e próximo do nosso povo sem uma língua tão técnica ou acadêmica. Esse é um grande ponto”.
Segundo o mapeamento realizado pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras (Renafro), 91,7% dos pais e mães de santo ouvem regularmente os filhos e filhas de santo relatarem que sofreram algum racismo religioso e 74% sofreram violência por causa da religião. Em relação a denúncias 68,6% não conhecem delegacias locais preparadas para receber esse tipo de discriminação, outros 45% afirmaram não perceber acolhimento por meio do Disque Denúncia.
Apesar da desinformação, para Bianca Omi a população recebe estas denúncias com indignação e demonstram interesse em conhecer um pouco mais sobre a religiosidade e cultura afro-diaspórica. “Acho que este é o caminho, é sensibilizar a população, construir pontes e uma postura cooperativa para que nossos direitos sejam garantidos”, concluiu.
Cobertura jornalística sobre religião
De modo geral a cobertura jornalística sobre religião nos veículos de comunicação acontece de forma superficial, geralmente abordando casos de violência ou em datas comemorativas. Para a jornalista Camila Silva, cobrir religião não é somente cobrir as particularidades de cada fé, mas entender que a religião também é uma forma de você ver o mundo e que influencia nas atitudes e decisões de cada indivíduo.
O primeiro contato com a cobertura religiosa de Camila aconteceu a partir da experiência com a Religion Unplugged, uma revista digital norte-americana que cobre pautas do cotidiano a partir da perspectiva religiosa. Durante o II Encontro Internacional de Jornalistas, realizado pela Rede de Jornalistas Pretos em novembro de 2022 (você pode assistir clicando aqui) , a jornalista contou como a experiência no veículo mudou sua visão sobre como construir pautas que abordam a religiosidade.
Em uma das reportagens que produziu Camila usou o filme Nosso Sagrado, que conta a história de itens da Umbanda e Candomblé que estavam no museu da polícia estadual do Rio de Janeiro, para retratar as vivências de religiões de matriz africana no Brasil. “Senti um grandessíssimo desconhecimento em relação principalmente às religiões de matriz africana, as pessoas não sabem o que é o candomblé, não sabem o que é a umbanda, não sabem como tratar, ficaram muito receosos”, destacou Camila.
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