Por: Maria Eduarda Abreu
Quase 7 milhões de brasileiros tinham alguma deficiência visual em 2019, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que representa 3,4% da população do país. Entretanto, o número expressivo ainda não é sinônimo de acessibilidade e inclusão, especialmente nas redações jornalísticas.
Seja pela ausência de profissionais com deficiência na produção dos conteúdos e na construção de sites com textos e imagens acessíveis, na ausência dessas pessoas em pautas que não estejam relacionadas ao tema ou na procura por pautas que incluam temas relacionados à inclusão e acessibilidade, o jornalismo tem falhado em muitos aspectos.
No jornalismo digital, por exemplo, as barreiras de navegação como links mal descritos e imagens, infográficos e gráficos sem descrição impedem uma experiência de usuário plena para pessoas cegas ou com baixa visão. Além disso, mantém essas pessoas afastadas do ambiente virtual ou em condição de vulnerabilidade informacional quando conseguem usufruir do universo digital de alguma forma.
Barreiras no jornalismo digital que impedem a acessibilidade
Na busca por consumir conteúdos jornalísticos de qualidade, pessoas cegas ou com baixa visão enfrentam uma série de barreiras que tornam inviável a simples leitura de uma reportagem ou mesmo a navegação pelos conteúdos do site. Dessa forma, as possibilidades informacionais e de escolha de conteúdo desse público tornam-se limitadas e restritas, gerando muitas vezes sua exclusão do ambiente digital ou a falsa sensação de inclusão.
Prova disso é o número de sites aprovados em todos os testes de acessibilidade, que ainda é menor que 1% segundo uma pesquisa realizada em 2021 pelo BigDataCorp em parceria com o Movimento Web Para Todos. No caso dos sites de notícias e blogs apenas 3,15% e 2,17% respectivamente estão preparados para a navegação de pessoas com deficiência.
O levantamento avaliou problemas relacionados às barreiras de navegação, por isso foi verificada a acessibilidade de campos de formulário e botões, se links abrem em nova janela sem avisar ao usuário, se imagens têm texto alternativo e ou ainda se há marcação do HTML com a ferramenta do W3C.
O estudo “Acessibilidade Jornalística: um problema que ninguém vê” reforça esses aspectos e apresenta um panorama sobre acessibilidade e inclusão nas redações. Segundo Mariana Clarissa, responsável pela pesquisa, as pessoas com deficiência visual entrevistadas durante o estudo ajudaram a chegar nas principais barreiras à acessibilidade no consumo de conteúdos digitais.
“Vivemos a Era do jornalismo de dados, então existem muitas tabelas, muitos gráficos e infográficos e esses conteúdos não são descritos. As imagens são mais [descritas], mesmo que não tenha uma descrição tão correta, mas a gente consegue encontrar um pouco mais. Porém, os gráficos, ícones imagéticos, publicidades e formulários não”, conta Mariana Clarissa.
Outra barreira apontada está relacionada ao tempo de atualização dos sites. No caso de matérias que o tempo de leitura é de 5 ou 15 minutos e o tempo de atualização do site é menor, a pessoa com deficiência visual não consegue terminar a leitura. A usabilidade dos sites é outra dificuldade sinalizada já que muitos não são intuitivos e é preciso que as informações sejam encontradas de forma rápida e fácil.
Raio-x das redações
Dentro das redações o cenário não é diferente. Dos profissionais de comunicação que responderam à pesquisa, 62,3% sabem como as pessoas com deficiência visual usam computadores e smartphones. A maioria das organizações participantes (98,1%) admitiram não ter pessoas cegas ou com baixa visão em suas equipes.
Com relação ao conteúdo, 37,7% dos jornalistas que responderam já contribuíram com reportagens adaptadas a pessoas cegas ou com baixa visão. Em 71,4% das respostas o trabalho não contou com a participação de pessoas com deficiência.
Os dados revelaram que, apesar de demonstrarem interesse e preocupação com o tema, os profissionais da comunicação têm dificuldade e desconhecimento técnico-operacional para tornar conteúdos jornalísticos mais acessíveis a pessoas cegas e com baixa visão. Além disso, as redações não possuem representatividade desse público e produzem muito abaixo do esperado conteúdos direcionados para a população com deficiência visual. Acesse a pesquisa completa aqui.
Aplicativo Lume
Se por um lado o cenário da comunicação ainda é inóspito quando o assunto é acessibilidade e inclusão na web, por outro a tecnologia continua trazendo avanços importantes. Mais especificamente as tecnologias assistivas, responsáveis por garantir que pessoas cegas ou com baixa visão consigam ter acesso de forma independente a dispositivos como notebooks e smartphones, além de consumir e produzir informações.
Pensando nisso, os organizadores da pesquisa desenvolveram o aplicativo Lume. A ferramenta realiza a descrição de todos os ícones imagéticos, desde botões de comando como a seta de voltar até as imagens da matéria e permite que pessoas com deficiência visual tenham acesso aos conteúdos jornalísticos de qualidade.
“A Lume surge a partir de questionamentos e reflexões sobre o que estava produzindo e a forma como estava distribuindo notícia para esse grupo de pessoas que é consumidor de notícias. Principalmente porque dentro da Constituição existe o direito à informação. Então nós enquanto jornalistas que oferecemos e produzimos notícias precisamos trazer essa distribuição de conteúdo acessível para esse grupo”, explica Mariana.
Segundo a jornalista, no início do projeto algumas dificuldades tiveram que ser ultrapassadas. A falta de biografias sobre o tema, a dificuldade de estabelecer uma relação de confiança com pessoas com deficiência visual além do desconhecimento dos profissionais sobre o tema.
“Eu tinha a bagagem do mestrado, trouxemos dois consultores cegos, mas a gente esbarra nessa falta de conhecimento, nessa falta de relacionamento inclusive com as pessoas com deficiência. Mas todo mundo estava ali dentro do processo de querer construir junto uma ferramenta e entendendo a importância”, conta.
Além do aplicativo, a rede formada por nove organizações de jornalismo independente do Nordeste já realizou oficinas e capacitações para jornalistas e pessoas com deficiência visuais abordando temas como fake news e produção de conteúdos acessíveis. “A lume enquanto empresa está em constante busca por estudar os fenômenos da comunicação, como se comportam dentro do grupo de pessoas com deficiência e como o jornalismo pode contribuir para amenizar a falta de garantias de direitos dentro desse setor”, finaliza.
Caminhos possíveis para um jornalismo inclusivo e acessível
A publicitária, pesquisadora sobre gênero, deficiência e comunicação e ativista pelo direito de pessoas com deficiência, Fatine Oliveira, acredita que o caminho para uma comunicação inclusiva passa pela contratação de pessoas com deficiência para compor a redação. Segundo ela, sem essa presença, não haverá aprendizado real. “Quando conhecemos a realidade do outro, entendemos melhor como podemos ajudar e colaborar para o seu viver. Se o jornal não tiver PcD, ninguém vai se conscientizar verdadeiramente sobre a importância da acessibilidade”, explica.
De acordo com a publicitária, ainda que a organização tenha um profissional PcD, o trabalho de conscientização sobre o tema não é obrigação deste funcionário. “Um treinamento ajuda bastante nisso, pois vai ensinar as técnicas de descrição de textos, programação de sites com recursos de acessibilidade e cursos de redação com linguagem simplificada”, conta.
Fatine Oliveira afirma que, ao contrário do que muitos pensam, deficiência não é doença e sim um tipo de condição que surge quando um corpo com impedimentos – de natureza física, sensorial ou neurodiversa – encontra barreiras para participar da sociedade com liberdade de ir, vir e tomar suas decisões. “Se as imagens de um site tiverem texto alternativo, a pessoa com deficiência, por exemplo, vai conseguir navegar sem dificuldades. Isso é inclusão. O acesso deve ser universal, permitindo que todos usufruam sem precisar de apoio para fazer coisas básicas”, finaliza.
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