Por: Maria Eduarda Abreu
O jornalismo brasileiro segue a tendência hegemônica mundial: ele tem cor e gênero. Com as redações cada vez mais enxutas, fica evidente que apesar das mudanças nos últimos anos, a cara da comunicação no Brasil ainda é branca e masculina. Em conversa com a Rede JP, o jornalista, professor da USP e autor do livro “Racismo Estrutural: uma perspectiva histórico crítica”, Dennis de Oliveira, esmiuçou os arranjos que construíram esse cenário na comunicação brasileira e analisou a luta antirracista a partir da mídia negra independente.
De acordo com o jornalista, os casos de preconceito racial explícito têm maior visibilidade midiática em função de pressões do movimento negro e da maior visibilidade que as pautas raciais ganharam. Entretanto, para ele, embora esse jornalismo fale de racismo estrutural, ele não amplia a discussão para além da dimensão comportamental e institucional, além de não avançar para pensar de que forma as estruturas econômicas perpetuam o racismo.
Entre os exemplos citados por Dennis está a recente reforma da previdência que apesar de apresentar um problema racial, não teve esse recorte presente nas discussões econômicas e análises. “As regras novas praticamente impedem que os trabalhadores negros e negras se aposentem. A idade mínima em várias situações é muito maior que a longevidade da população negra em certas localidades, a exigência de contribuição para previdência exclui os trabalhadores do mercado informal, por exemplo, e a gente sabe que boa parte são negros e negras”, explica.
Outro ponto observado por ele está na cobertura jornalística de tragédias internacionais. Segundo o jornalista há uma grande comoção quando elas acontecem em países de maioria branca, o que não ocorre em países africanos ou latinos. “É o caso da Ucrânia. Quero lembrar também o ataque terrorista a Paris que mobilizou e criou uma comoção universal da grande mídia hegemônica brasileira e esse mesmo grupo fez ataques à Nigéria e isso praticamente não foi coberto”, comentou.
Ele destacou ainda a ausência de correspondentes nessas regiões como uma maneira do jornalismo brasileiro reproduzir o racismo estrutural, já que uma grande parcela das coberturas internacionais traz conteúdos ligados à Europa e América do Norte.
Diferentes níveis de compreensão do racismo
Para o professor todo racismo é estrutural e termos como “racismo comportamental” e “institucional” são níveis de compreensão dessa estrutura. De acordo com ele, negar o acesso de pessoas negras a espaços ou discriminar alguém por conta do seu cabelo está na dimensão comportamental do racismo, aquela onde um ato explícito de preconceito acontece. Já o nível institucional é identificado, por exemplo, quando a vítima vai denunciar o caso aos órgãos competentes e tem dificuldades para abrir o processo e seguir com a denúncia. “Esse racismo institucional e comportamental é funcional, ele tem uma lógica porque possibilita, por exemplo, à medida que você vai mostrando negros e negras como cidadãos de segunda categoria que trabalhadores negros e negras recebam salários menores, sejam os maiores na fila do desemprego e ocupem os lugares mais baixos da pirâmide social”, explica.
Segundo o professor, tudo isso possibilita que a estrutura do capitalismo continue existindo, sendo essa a dimensão estrutural do racismo. Já que essa é uma compreensão da forma que o racismo e todas suas manifestações contribuem para reprodução das desigualdades sociais.
Caminhos e desafios para um jornalismo antirracista
Diante de um cenário com mais comunicadores negros formados sem espaço e visibilidade nas mídias e com o surgimento de uma mídia alternativa que pouco se diferencia da mídia tradicional se tratando de diversidade racial, cresceu o movimento entre jornalistas e comunicadores negros de criação e gerenciamento de seus próprios espaços de comunicação. Nos últimos anos a mídia independente preta tem adquirido cada vez mais espaço e visibilidade na internet, inclusive pautando a imprensa tradicional.
De acordo com o professor Dennis, o principal desafio para o jornalismo antirracista, particularmente da mídia independente preta, é a construção de reportagens com uma agenda jornalística antirracista que alcance todas os campos sociais desde economia a política. “Estamos em época de eleições. Como é que essa agenda antirracista está sendo debatida? Foi preocupante no debate da Band não ter nenhum jornalista negro além de não ter nenhum candidato, mas também o debate antirracista estava ausente nessas agendas. Nas entrevistas de candidatos ao Jornal Nacional [o tema] também não esteve presente”, pontua.
Para ele é necessário trazer a agenda antirracista de uma dimensão particular para uma dimensão universal e a mídia preta pode ajudar a pressionar para que essa agenda tenha visibilidade e esteja presente na agenda política de forma geral. “Devemos lutar por ações afirmativas nas redações, a gente tem que pressionar um pouco. A grande dificuldade que temos é que o jornalismo é uma atividade que tem uma função pública, mas é majoritariamente exercido por empresas privadas e aí tem essa dificuldade de pressionar o setor privado a adotar ações afirmativas internas”, conclui.
De acordo com Dennis, embora as transformações estejam ocorrendo a partir da inciativa de comunicadores negros, o cenário da mídia tradicional terá poucas mudanças caso seja gerido pelo mesmo perfil de pessoas. Dennis de Oliveira acredita que a melhor maneira de combater o racismo e a falta de representatividade nas redações é a presença de negros e negras nesses espaços principalmente em cargos de chefia, onde esse número é quase zero. “Esse racismo acaba reproduzido nos olhares de quem comanda as redações. É preciso discutir o impacto racial de todas as medidas que são tomadas. E que o debate e a agenda antirracista estejam presentes no jornalismo brasileiro em todos os campos não só na cobertura de casos explícitos de comportamento preconceituoso”, finaliza.
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