Por: Maria Eduarda Abreu
Idealizado e conduzido pelo jornalista Tiago Rogero, o podcast apresenta o Brasil de um ponto de vista diferente. Em uma série com oito episódios o projeto traça um paralelo entre a construção do Brasil- através da exploração da escravidão e do genocídio de povos africanos e indígenas – e o país de hoje.
Durante os episódios, passado e presente se encontram para recontar a história nacional. O Projeto Querino trata a história sob o prisma da escravidão assim como o projeto que o influenciou, o 1619 Project, encabeçado pela premiada jornalista negra Nikole Hannah-Jones e produzido pelo New York Times em 2019. Para Tiago o que difere os dois projetos é a maneira como se deu a formação dos dois países já que o número de africanos escravizados
no Brasil foi 12 vezes maior que o número destinado aos EUA. “Nikole e sua equipe abriram os caminhos de um projeto desse tamanho e com essa abordagem, pudemos planejar e pensar com calma quais seriam as melhores formas de aplicarmos essa ideia para a realidade brasileira”, conta.
Com uma equipe majoritariamente negra, que reúne mais de 40 profissionais, os primeiros passos do podcast começaram a ser ensaiados e de lá para cá, foram 2 anos e 8 meses de trabalho. O projeto é apoiado pelo Instituto Ipiranga e tem parceria com a Rádio Novelo e
da revista Piauí, que publica mensalmente reportagens sob o selo do projeto. Além disso, conta com a consultoria da historiadora Ynaê Lopes dos Santos. Segundo o jornalista, a ideia surgiu após uma viagem aos Estados Unidos para um fellowship do International Center for
Journalists.
“Conheci o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana — um monumento gigantesco erguido em homenagem aos feitos das pessoas negras de lá. Tudo isso foi um catalisador para o que aconteceu na minha volta ao Brasil, quando conheci o trabalho do Instituto Ibirapitanga, instituição voltada para o fortalecimento de ações em equidade racial e sistemas alimentares. Começamos a conversar sobre a possibilidade de fazer um “1619 brasileiro”, explica. De acordo com Rogero, foram mais 6 meses de trabalho, pesquisas e reuniões até que a doação fosse aprovada. Em duas semanas no ar, o podcast entrou na lista dos mais ouvidos do país ocupando o primeiro lugar no Spotify Brasil. Segundo o comunicador, foram traçadas muitas estratégias de divulgação para que o podcast pudesse “sair da bolha” e alcançar o máximo possível de pessoas, ele acredita que embora o podcast ainda não seja uma mídia popular no Brasil, devido a questões de desigualdade, há muito potencial para crescimento dentro desse universo de ouvintes.
“Estamos muito felizes com a repercussão. Não será fácil, mas estamos confiantes de que o podcast atingirá ainda mais pessoas, especialmente porque ele não é “datado”; ouvido agora ou daqui a um ano ele ainda tratará de questões relevantes e importantíssimas para o país que queremos ser, que precisamos ser”, comenta.
Essa nova abordagem sobre a trajetória do Brasil tem chamado a atenção de educadores. De acordo com Tiago, desde o lançamento são muitas as mensagens recebidas, mas as que mais o emociona são as de professores do ensino fundamental, médio e Universidades que estão usando o podcast em sala de aula. “É algo que muito nos orgulha porque o rigor jornalístico e historiográfico foi a característica principal de todo esse nosso trabalho. Temos ainda outras ideias para os desdobramentos do projeto Querino, e transformá-lo em alguma outra forma de conteúdo educacional, a ser distribuído e aplicado nas escolas, sobretudo no ensino público, está entre nossas prioridades”, conclui.
Nomeado “O colono preto“, o quarto episódio da série faz referência ao livro “O colono preto como fator da civilização brasileira” do escritor e pesquisador Manuel Querino. Nele a educação é o fio condutor para o debate sobre as consequências do passado escravista e do racismo no Brasil. Além disso, nesse episódio os ouvintes conhecem um pouco de quem foi Manuel Querino, de quem o projeto leva o nome.
Quem foi Manuel Querino?
O nome do podcast faz referência a Manuel Raimundo Querino, baiano de Santo Amaro, foi o primeiro intelectual brasileiro a reconhecer e divulgar a contribuição das culturas africanas na identidade e cultura brasileira. Entre suas muitas facetas, Querino foi pintor, jornalista, político, desenhista, escritor e atuou ativamente em favor dos movimentos abolicionistas, republicanos e da luta operária. Como pesquisador reuniu fontes orais e investigou a
participação negra na história do Brasil, buscando o reconhecimento dessa contribuição para o país.
Considerado o primeiro historiador negro do Brasil, Manuel Querino, publicou diversos artigos, além de livros sobre a cultura afro-brasileira com ênfase na história da Bahia, nas artes e costumes. Seu trabalho é divido em duas fases: a primeira (1903 – 1916) trata-se sobre os artistas e as artes no Brasil, apresentando trabalhadores – majoritariamente negros – que eram desprezados na época. Publicou nessa fase: “Os artistas baianos”, “As artes na Bahia”, “Artistas baianos: indicações bibliográficas”; e “Baile Pastoris”. Já na segunda, o foco está nos estudos de costumes resultantes da presença afro-diaspórica na Bahia. São publicações desse período “A raça africana e os seus costumes na Bahia”, “Bahia de outrora: vultos e fatos populares” e “O colono preto como fator da civilização brasileira”.
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